13 dezembro 2018

A teoria das restrições e o processo decisório na saúde suplementar

the-goalEliyahu Goldratt, em se livro A Meta, descreve o que ele chamou de Teoria das Restrições (Theory of Constraints ou TOC).

a TOC defende que os sistemas de produção (de bens) ou de entrega (de serviços) têm restrições ou gargalos em seu seus processos. A capacidade máxima de produção seria, então, igual ou menos do que a apresentada por essas restrições ou gargalos.

Na prática, a teoria pode ser comparada ao velho dito sobre as correntes, que é tão forte quando o seu elo mais fraco.

Na Saúde Suplementar também existem as restrições, que podem ser de diversos tipos. Mas um, em especial, é destaque no setor.

As regras de negócios no segmento de saúde são inúmeras, a ponto de exigir complexas articulações para uma decisão correta. Quando inexistem regras suficientes, o processo normalmente para à espera de uma decisão gerencial. E é esse um dos grandes entraves do setor, ou seja, uma das grandes restrições.

O gestor, seja de nível médio, ou de nível diretivo, é demandado a cada paralisação do processo, Como sua disponibilidade é restrita, a velocidade da superação das dificuldades é no máximo igual ao tempo que o gestor dedica às suas decisões executivas.

Agregue-se à limitada disponibilidade a necessidade da presença constante em reuniões de trabalho, feiras e eventos e atividades de representação, constata-se que o gestor dedica à resolução de problemas operacionais tempo muito menor que a demanda existente.

Muitas vezes o processo, pela inércia determinada pelo dia a dia, tem sequência sem decisão (a chamada decisão por falta de reação). Nesse ponto, não significa que a decisão correta foi tomada. Indica, sim, que qualquer decisão é melhor que nenhuma decisão quando o problema avança na Matriz de Eisenhower, se transforma em Urgente e Importante, e exige ação imediata.

Quando não é o caso, o processo se arrasta, em velocidade muito abaixo da desejada, até que a decisão surja.

Essa restrição é severa, pois normalmente não permite identificação de causas e efeitos, e questões do processo produtivo têm tendência de se transformar em problemas frequentes e rotineiros.

Num processo produtivo de uma fábrica, por exemplo, as máquinas devem entrar em manutenção de forma programada. Nessas interrupções, se o processo trabalha com duas máquinas e uma delas entra em manutenção, há uma restrição, mesmo que provisória. Acontece que a parada tende a garantir que problemas maiores não surjam, ou seja, que o prazo dessa limitação não fuja daquele previsto e, em tese controlado pela empresa.

Assim deve ser a ação do gestor, na saúde suplementar e em qualquer segmento de negócio. Sua atenção para os problemas cotidianos deve ser para identificar causas e evitar novas ocorrências. Ou, no mínimo, para mitigas os efeitos adversos advindos. Mesmo que a atividade demande mais tempo que uma simples decisão para continuidade, aquela tomada em meio à pressão de tantas outras emergências do contínuo apagar de incêndios.

Assim, nas reflexões de final de ano, as que precedem as listas de metas para o ano seguinte, o gestor deveria se auto avaliar procurando identificar o quanto sua atuação tem sido a de uma restrição do processo, ou de gerador de oportunidades de melhorias continuas.

05 dezembro 2018

A portabilidade de carências

PortabilidadeA Resolução Normativa 438, da ANS, introduz mudanças importantes na portabilidade de carências.

Antes restrita a contratos individuais e familiares e contratos coletivos por adesão, agora o direito se estende aos beneficiários de contratos coletivos empresariais.

Uma das grandes novidades é a extinção da “janela de portabilidade”, que era o período de 120 dias em que a portabilidade poderia ser exercida pelo beneficiário. Essa mudança é importante, pois nada havia que justificasse essa janela. Do ponto de vista do beneficiário, por que não haveria de ser a qualquer tempo?

Claro que não é a qualquer tempo. É preciso observar o período de permanência, em regra já existente. Exceto por isso, a medida é corretíssima.

Também a portabilidade a beneficiários de contratos coletivos empresariais é correta, pois abrange aqueles planos “Falso PF”. Ou seja, tem todas as características dos planos individuais, exceção feita ao processo de reajuste (planos com menos de 30 vidas).

Como os planos com menos de 30 vidas são mais sensíveis às crises, seus beneficiários enfrentavam diversas dificuldades para manter o plano depois de demitidos ou encerrada a empresa. A medida de fato oferece mais opções a esse público, numa medida acertada da ANS.

A compatibilidade de coberturas também foi eliminada. Ou seja, se um beneficiário de plano com cobertura ambulatorial quisesse migrar para um plano de outra operadora com cobertura ambulatorial + hospitalar, ele não poderia fazê-lo exercendo a portabilidade. A RN agora vai permitir essa situação, sujeitando, obviamente, ao cumprimento de carências para a nova cobertura.

A medida passa a valer em junho/2019, ou seja, 180 dias após a divulgação da lei.

Veja os gráficos divulgados pela ANS:

info_portabilidade_I

info_portabilidade_II

info_portabilidade_III

25 outubro 2018

O direito da informação de beneficiários e a Unimed Rio

question-marks-2215_640A ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar atua sempre no sentido de garantir ao beneficiário acesso às informações, como demonstram várias de seus normativos, como a RN 389 (PIN SS) e a RN 395 (que garante o acesso às informações sobre seus atendimentos ou negativas).

Tal preocupação não se reflete na situação da Unimed-Rio.

Esta, como se sabe, enfrenta sérios problemas financeiros e foi objeto de Comunicado da ANS em 01/12/2016, reportando assinatura de Termo de Compromisso (datado de 24/11/2016) em que representantes de órgãos governamentais, empresas do mundo Unimed e entidades ligadas à saúde suplementar, além da própria Unimed Rio, se comprometiam a

Implementar práticas que constituam garantias de direitos para os consumidores de planos de saúde, com vistas a assegurar a continuidade e a manutenção da qualidade dos serviços de assistência à saúde dos usuários da PRIMEIRA COMPROMISSÁRIA “.

Os grifos são nossos.

O extrato da medidas acordadas está aqui, e a íntegra do Termo de Compromisso está aqui.

Em março/2017 o Termo recebeu um aditivo e em junho/2018 recebeu novo aditivo.

Em que se pese a informação sobre os fatos em si, faltam informações sobre o grau de atingimento das metas e em que medidas elas estão de fato afetando a recomposição da saúde da Unimed-Rio.

Após quase dois anos da ação inicial (o Termo de Compromisso), não há nenhuma notícia para a população de mais de setecentos mil beneficiários da Unimed-Rio.

Para piorar a situação, em consulta ao IDSS da operadora o site na ANS informa que ele não calculado para o último período.

Ou seja, os beneficiários, os principais interessados na informação sobre a saúde financeira da empresa a quem pagam todos os meses as mensalidades de seus planos de saúde não têm, na prática, informação alguma sobre sua real situação.

Os números do site da ANS nos permitem ver o seguinte:

Resultado anual (2018 ainda não fechado)

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Sinistralidade:

image

Como se vê, poucas informações, insuficientes para qualquer análise mais assertiva.

Nossa expectativa é que não se repita o triste fim da Unimed Paulistana, com reflexos ruins tanto para a massa de beneficiários como para a massa de funcionários e colaboradores da Unimed-Rio.

12 setembro 2018

SANTAS CASAS, HERÓICAS E INDIGENTES

Longe dos hospitais de grife, o candidato foi socorrido naquela que é a mais heroica instituição do Brasil: uma Santa Casa.

Espalhadas pelo Brasil, aonde nenhum hospital de grife jamais esteve, as Santas Casas lutam pelo sobrevivência há muitos anos e há poucos ventos favoráveis no horizonte.

Espremidas por negociações que em nada correspondem ás necessidades daqueles cuja vida depende, infelizmente literalmente, dessas entidades, ainda levam a pecha de má administração.

É a contrapartida da situação em que uma pessoa ganha diversas vezes seguidas na loteria, afrontando as teorias da probabilidade (se lembrou dos anões do orçamento?).

Mas as Santas Casas estão lá, atendendo anônimos desimportantes e, eventualmente, algum prócere da república.

Mas a recompensa, ou contrapartida, ou retribuição, ou reconhecimento, ou seja lá o nome que se queira dar ao processo de valorização, não acontece somente por serviços prestados e histórico.

É uma instituição pública, devidamente reconhecida pelo CNAS (ou não) e tem de pagar por esse pecado tão infame.

Tanto que o candidato ferido correu (ou melhor, voou) assim que pode para bem longe daquele antro de profissionais da área médica que tão bem o atenderam para se alojar no Nirvana dos doentes, ou naquele lugar que todo doente gostaria de estar, por paradoxal que seja.

As Santas Casas são mais da coletividade e atendem a essa coletividade sem seletividade. Ou seja, basta estar necessitado, pois essa é sua missão.

Missão de uma instituição (pessoa jurídica) que não declara seu negócio, como se fosse uma empresa (o grifo sarcástico é meu).

O incidente do candidato deu uma clara demonstração de quem nem tudo no SUS é fraude e descaso.

Mostra, por sinal, que a única opção era a. Santa Casa. Mas nem por ser única, menos competente ou menos dedicada.

Mas infinitamente menos valorizada. Infinitamente...

Essa é a situação das Santas Casas do Brasil. Salvando vidas, enquanto lutam para se manterem vivas...

31 agosto 2018

Coparticipação e franquia–Norma ainda está em vigor

magic-154526_1280Depois da enorme polêmica sobre as novas regras sobre coparticipação e franquia, emitidas pela ANS, esta veio a público dizer que iria cancelá-las.

Abaixo, o texto de Nota da ANS de 30/07/2018:

Em função das manifestações de apreensão da sociedade, a partir da publicação da Resolução Normativa – RN nº 433, de 27 de junho de 2018, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que, na 490ª Reunião Ordinária de Diretoria Colegiada, realizada nesta data, decidiu, por unanimidade, reabrir as discussões acerca da proposta de regulamentação dos mecanismos financeiros de regulação coparticipação e franquia.

Esta decisão foi tomada em respeito e atenção às preocupações demonstradas pela sociedade desde a publicação da citada norma. Dessa forma, a diretoria revogou a decisão que aprovou a norma e deliberou pela realização de audiência pública.

Apesar da informação, não há ato oficial, seja no Diário Oficial, seja como normativo na ANS, que revoga a Resolução Normativa 433, de 27/06/2018.

Esta norma entrará (entraria?) em vigor em 180 dias a partir de sua publicação, prazo ainda não decorrido. Portanto, não está em plena vigência, mas contanto prazos para.

Portanto, permanece a expectativa.

Mas é irresistível lembrar que:

  1. A coparticipação teve uma limitação percentual em relação ao valor do procedimento. A franquia não, continua sem limite.
  2. A franquia dedutível acumulada é uma mudança infralegal às regras da carência, que podem ser aumentadas para até 12 meses. Todas!

Parece que a carência é de transparência.

17 julho 2018

O STF, a coparticipação e a franquia

question-mark-1829459_1920A Ministra Carmem Lúcia, presidente do STF, em plantão, suspendeu os efeitos da Resolução Normativa 433, da Agência Nacional de Saúde Suplementar, que impõe novas regras para medidas de regulação financeira – franquia e coparticipação,
A mídia vem transmitindo muitas informações sobre a medida, algumas de forma incorreta.
Por exemplo, ao dizer que os limites de franquia e coparticipação não podem ultrapassar 40% do valor do procedimento. Não é verdade. Somente a franquia tem esse limite individualizado. A franquia não tem limitação por procedimento, embora ambas (coparticipação e franquia tenham limites mensais e anuais – exceção da franquia dedutível acumulada, com limite somente mensal).
Outra informação relevante é que hoje a coparticipação não tem limite estabelecido. Diz a regra que ela não pode financiar integralmente o procedimento. Ou seja, não pode ser 100%. Em tese, a medida é boa para o consumidor. E, embora não haja limites estabelecido, não se vê com frequência contratos com mais de 30% de coparticipação.
Também está se dando pouca importância ao fato de que o processo é negociado, não vale para todo e qualquer plano de saúde, somente para os novos em que o cliente concordar com o percentual.
Neste ponto, a Consulta Pública 60, da ANS, previa um mecanismo de proteção adicional: simuladores. Antes da contratação ou antes da utilização, a operadora teria de disponibilizar funcionalidade de simulação do processo, para que o beneficiário tivesse a exata informação sobre seu desembolso.
Registre-se que na Consulta Pública já se definia como proposta o limite de 40%, mas também somente sobre a coparticipação.
Os procedimentos excluídos da regulação financeira já estavam desenhados na minuta de RN proposta.
Sobre as contribuições, veja gráfico do relatório final da ANS:
Contribuições CP 60
Pode-se notar que o eixo de contribuições veio das operadoras, sendo que a soma das contribuições de associações representativas de direitos do consumidor e de consumidores é menor do que as dadas pelas operadoras.
Um fato que está me intrigando é que a franquia dedutível acumulada inova ao criar um plano de saúde em que o beneficiário para por um ano sem ter direito a nenhum procedimento. Ou seja, a RN estende a 12 meses a carência dos procedimentos (todos), mesmo contra a letra da lei, que estabelece prazos máximos (todos abaixo de 360 dias). Contra isso, não se levantou uma voz. Ainda.

13 julho 2018

Processos: eficiência, eficácia e efetividade

businessman-3075837_1920Recorrendo a uma platitude, recordo a lenda urbana do sapo que, colocado em um recipiente com água quente, reage imediatamente e pula para longe de água. Mas ao ser colocado em uma panela com água fria, e esta for aquecida aos poucos, o sapo não reage à mudança de temperatura e morre pela fervura.

No mundo corporativo, essa é uma realidade recorrente no tocante a processos de trabalho.

O processo nasce com certa simplicidade, e vai ganhando penduricalhos à medida em que enfrenta situações imprevistas. Pontos de controle e checagem, por exemplo, são adicionados de forma constante com o objetivo de evitar uma determinada situação enfrentada.

Mas a que custo?

Processos devem ter, simultaneamente, três características: eficiência, eficácia e efetividade.

o processo eficiente é realizado utilizando os recursos necessários da melhor forma possível, sem desperdícios.

O processo eficaz atinge os objetivos para os quais foi desenhado.

O processo efetivo é aquele que traz contribuições significativas para o meio em que envolvido, sendo sustentável e justificável moral e financeiramente.

As alterações feitas em um processo e que deixam de atender ao estado ótimo de eficiência, eficácia e efetividade são explicadas psicologicamente pela racionalização, em que as atitudes são justificadas de forma lógica e racional (no modo de ver do indivíduo) e não estão, portanto, erradas.

Mas é raro que um processo passe por reavaliações periódicas visando sua readequação. Processos que não demonstram grandes problemas não costumam ser fonte de atenção por parte das empresas, embora seu potencial de desvio de recursos seja grande.

O processo inicial de modelagem de processos é um processo que tem resultados excelentes para a empresa. Por outro lado, é um processo demorado e trabalhoso, o que pode desestimular suas revisões. Estas, no entanto, são muito mais rápidas e ágeis, e podem indicar problemas a um custo muito baixo, trazendo benefícios imediatos para todos.

Este é um processo de incorporação cultural que aumenta com a projeção da governança corporativa, uma vez que a adequação dos processos é mandatória.

De qualquer forma, a medida não se reflete apenas em exigência interna. É uma ótima fonte de identificação de fuga de recursos ou exposição a riscos. O adequado planejamento da revisão de processos pode representar diferencial competitivo nada desprezível, ao contrário.

11 julho 2018

O que fazer com os igníferos

forest-fire-2268729_1280Uma das possíveis versões de um velho conto sobre a origem do assado é esta:


Certa vez, houve um incêndio num bosque onde se achavam uns porcos. Esses se assaram. Os homens, acostumados a comer carne crua, os provaram e os acharam saborosos. Logo, cada vez que queriam comer porcos assados, punham fogo em um bosque. Até que descobriram um novo método.


Mas o que quero narrar é o que aconteceu quando se tentou modificar o SISTEMA para um novo.

Havia muito tempo que as coisas não andavam bem: os animais se carbonizavam, às vezes ficavam parcialmente crus, outras ficavam de tal maneira queimados que era impossível utiliza-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhares eram os que se alimentavam de carne assada e também milhares eram os que se ocupavam dessa tarefa. Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente, à medida que crescia em maior escala, mais parecia falhar, causando maiores perdas.

Por causa das deficiências, aumentavam as queixas e era do conhecimento geral a necessidade de reformular o SISTEMA. Tanto, que todos os anos se reuniam Congressos, Seminários, Conferências e Jornadas. E, assim, sempre.

As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, deviam prender-se à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam ficar, ou, talvez, à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava com o momento, lugar e intensidade dos ventos, ou ...

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar, porque, na verdade, o SISTEMA para assar esses porcos era muito complexo: havia-se montado uma grande estrutura e uma grande maquinaria com inúmeras variáveis, havia-se institucionalizado. Havia indivíduos dedicados a incendiar: os IGNÍFEROS, que, por sua vez, eram especialistas de setores: incendiador ignífero de zona norte, zona oeste etc., incendiador noturno, diurno com especialização matinal ou vespertina, incendiador de verão e inverno (com disputas jurisdicionais sobre o outono e a primavera). Havia especialistas em vento: os ANEMOTÉCNICOS. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Reflorestamento Incendiável, uma Comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentares (o ISCETA) e o Bureau Orientador de Reformas Ígneo-Operativas (BODRIO).

O BODRIO era tão grande que tinha, aproximadamente 7.000 porcos para um Inspetor de Reformas. E era precisamente o BODRIO que promovia os Congressos, Seminários, Conferências e Jornadas. Mas estes só pareciam servir para aumentar o BODRIO em burocracia.
Havia-se projetado e estava em pleno crescimento a formação de novos bosques e florestas, seguindo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas seguindo uma determinada orientação: onde os ventos não sopram mais de três horas seguidas, onde era reduzida a percentagem de umidade etc.).

Havia milhares de pessoas trabalhando na preparação desses bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas na Europa e nos Estados Unidos, estudando a importação de madeiras, árvores, sementes, tipos de melhores e mais potentes fogos, estudando estratégias operacionais (por exemplo: fazer poços para que neles caíssem os porcos). Havia ainda grandes instalações para conservar os porcos antes do incêndio, mecanismos para deixa-los sair no momento oportuno, técnicos em sua alimentação.

Havia especialistas na construção de estábulos para porcos, professores formadores de especialistas na construção de estábulos para porcos; investigadores que fiscalizavam os trabalhos das universidades que preparavam professores formadores de especialistas na construção de estábulos para porcos.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo: aplicar triangularmente o fogo à razão de a-1 pela velocidade do vento; soltar os porcos 15 minutos antes que o fogo médio do bosque alcançasse 47 graus; outros diziam que era necessário colocar grandes ventiladores, que serviriam para orientar a direção do fogo e assim por diante. E, não é preciso dizer, muito poucos estariam de acordo entre si e cada um tinha investigações e pesquisas para provar suas afirmações.

Um dia, um IGNÍFERO categoria SD/DM/V-LL, ou seja, um Incendiador de Bosques, Especialidade Sudoeste, Diurno Matinal, Licenciatura em Verão Chuvoso, chamado de JOÃO SENSO COMUM, disse que o problema era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele, em que primeiro se matasse o porco cru, que fosse limpado e cortado adequadamente e colocado em uma rede metálica, ou em uma armação sobre brasas até que, pelo efeito do calor e não da chama, estivesse assado.

- Matar ?” Exclamou indignado o Administrador de Reflorestamento.

- Quem mata é o fogo. Nós não matamos nunca.

Inteirado, o Diretor Geral de Assamento mandou chamá-lo, perguntou-lhe que coisas raras andava dizendo por aí...

- O que você disse está bem, mas só em teoria. Não vai dar certo na prática, é impraticável. Vejamos: o que você faria com os ANEMOTÉCNICOS, caso se adote o que você sugere?

- Não sei, respondeu João.

- Onde você colocaria os incendiadores de diversas especialidades?

- Não sei.

- E os indivíduos que têm ido ao estrangeiro para aperfeiçoar-se durante anos, cuja formação custa tanto ao País? Vamos colocá-los a limpar porquinhos?

- Não sei.

- E os especialistas em sementes, em madeira? E os construtores de estábulos de sete andares, com suas novas máquinas limpadoras e perfumadoras automáticas?

- Não sei.

- E os que se tem especializado todos esses anos para integrar os Congressos, Seminários e Jornadas para reformas e melhoramento do SISTEMA, se o seu resolve tudo? Que faço com eles?

- Não sei.

- Você se dá conta agora de que a sua idéia não é a solução e que necessitamos todos? Você crê que se tudo fosse tão simples não o teriam descoberto antes nossos especialistas? E o que os autores dizem disso? Que autoridade pode apoiar sua afirmação? E o que faço com os bosques já preparados, prontos para serem queimados, cujas árvores não produzem frutos e cuja escassez de folhas faz com que não sirvam para sombra? Que faço? Diga-me?

- Não sei.

- Que faço com a Comissão Redatora de Propostas de Assamento, com o Departamento de Classificação e Seleção de Porcos, Arquitetura Funcional de Estábulos, Estatística e População etc.?

- Não sei.

- Viu? Você o que tem a fazer é descobrir como fazer novos ANEMOTÉCNICOS, como conseguir mais rapidamente incendiadores de oeste (que é nossa dificuldade maior), como fazer estábulos com melhores pisos ou como melhorarmos o solo. TEMOS DE MELHORAR O QUE TEMOS E NÃO MUDÁ-LO. Traga-me você uma proposta para que nossos cursos na Europa custem menos, como fazer uma boa revista para análises profundas de problemas da Reforma do Assamento. É disso que necessitamos. É de que o País necessita,. A você o que falta é sensatez, Senso Comum. Diga-me, por exemplo, o que faço com meu bom amigo (e parente) o Presidente da Comissão para o Estudo e Aproveitamento Integral dos Ex-Bosques?

- Realmente, estou perplexo, disse João.

- Bem, agora que conhece bem o problema, não vá por aí dizendo que você o resolve completamente. Agora vê que o problema é mais sério e não tão simples como se imaginava. Um que está por baixo e de fora diz: “Eu resolvo tudo.”. Mas tem-se de estar por dentro para conhecer os problemas e saber as dificuldades. Agora, aqui entre nós, eu lhe recomendo que não insista no seu método, porque poderá trazer-lhe dificuldades com o seu posto. Não por mim. Digo para o seu bem, porque o compreendo; entendo o seu plano, mas, você sabe, pode encontrar-se com outro superior menos compreensivo, você sabe como são às vezes, hein?

E o pobre João Senso Comum não disse “UM”. Sem se despedir, entre assustado e estonteado, com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu e não foi visto nunca mais. Não se sabe para onde foi. Por isso é que dizem que nessas tarefas de reforma e melhoria do SISTEMA, falta sempre “SENSO COMUM”...

Gustavo F. Girigliani: La Escolaridad Enjuiciada.
Esta fábula foi publicada originalmente na revista Cátedra Y Vida, Buenos Aires, 1959.
Tradução de Sandra Diniz Costa
Uberlândia-MG

06 julho 2018

Os cursos sobre a Saúde Suplementar

classroom-42275_1280Nestes vinte anos de atuação em Saúde Suplementar, tenho visitado muitos hospitais e operadoras de planos de saúde. Alguns, à procura de soluções de gestão. Outros já usuários de alguns sistemas. Todos com reservas quando à implantação.

As reservas são de diversos tipos, a depender da empresa fornecedora do software. Mas uma era comum a quase todas. A falta de conhecimentos do negócio pelos implantadores.

Entende-se o lado do fornecedor. O mercado é complexo e abrangente. E a formação de um consultor normalmente tem uma curva de tempo alta. Além disso, os consultores recebem muitas propostas de empresas do segmento para que integrem seus quadros funcionais.

Mas do lado da empresa cliente, o problema também persiste. Recentemente, na implantação de um sistema, identificamos que vários funcionários da área de gestão de contratos e beneficiários não tinham noção do conceito de “contributário” do beneficiário.

Este é um mercado em que o aprendizado se dá, habitualmente, pela transmissão verbal já no posto de trabalho. Assim, a qualidade da informação é limitada pelo conhecimento do multiplicador.

O multiplicador, por sua vez, tem limitada sua capacidade de atualização perante novas normas (e práticas de mercado) pelo dia-a-dia, que não dá trégua e exige atenção constante, principalmente nos problemas operacionais.

Em outra experiência, equipe de negócio de uma determinada fornecedora de software atribuiu a falta de uma funcionalidade de seu produto a um suporto impedimento normativo (“A ANS não permite”). Um engano, infelizmente.

Quando lançamos o segundo módulo do curso, uma fornecedora de software nos procurou para saber da possibilidade de inserir treinamento do sistema nos módulos. A resposta é sim, a adaptabilidade é possível e desejada não somente a treinamentos de software, como também  aos processos de determinadas empresas, aplicando seus manuais de procedimentos em relação a cada passo do processo.

O curso é a compilação da lei originária da prática, quando cabível, e a norma da ANS que a regula e/ou determina. Tudo atrelado às melhores práticas observadas no mercado.

O tema é abrangente e sempre haverá mais informações por adicionar a cada módulo e a cada tema. Esse é o desafio que abraçamos.

Aliás, já está “no prelo” o módulo referente ao . Para breve.

02 julho 2018

Um bode na sala? A franquia dedutível acumulada

incorrect-294245_1280A Resolução Normativa 433, da ANS, prevê uma modalidade de franquia (franquia dedutível acumulada) em que:

… a operadora de planos privados de assistência à saúde não se responsabiliza pela cobertura das despesas assistenciais acumuladas, no período de 12 (doze) meses, contados da assinatura ou do aniversário do contrato, até que seja atingido o valor previsto no contrato como franquia (grifos meus).

Destaca o artigo 10º que deve ser aplicado em hipóteses previstas contratualmente.

Mas…

Conflito com carências:

Os limites de carência previstos são:

  • 24h para urgência e emergências;
  • Parto: 300 dias;
  • Demais procedimentos (consultas, exames, internações e cirurgias): 180 dias.

Todos os procedimentos constantes do ROL têm prazo de carência menor do que os 12 meses (360 dias) mencionados na norma.

Ou estaria a norma criando nova modalidade de carência, apesar do que diz a lei? A Lei 9656 não prevê essas limitações.

É de se lembrar que os limites de carência abrangem todos os procedimentos do Rol obrigatório.

Conflito com os limites

O normativo entra em conflito consigo mesmo ao estabelecer que a OPS “não se responsabiliza pela cobertura das despesas assistenciais acumuladas”, criando franquia de 100% sobre o valor do procedimento.

É importante registrar: o limite de 40% proposto como limite vale somente para a coparticipação, não sendo previsto limite algum (em relação ao valor do procedimento) para os casos de franquia.

Além disso, não há a limitação mensal, aquela que equivale ao valor de uma mensalidade. Somente a anual será observada. O quer dizer que o beneficiário pode ter de desembolsar mais do que o valor mensal de sua contraprestação a título de franquia.

E os valores ainda podem ser cobrados de forma retroativos (com a limitação das 12 mensalidades)…

Pronto-socorro e internação: desvio da regra

Se a OPS não tem responsabilidade sobre a cobertura, em casos de internação os insumos, além dos procedimentos devem ser suportados pelo beneficiário?

O arcabouço legislativo não permite que haja percentuais sobre procedimentos e insumos nas internações e pronto-socorro a título de regulação financeira. Mas a modalidade de franquia dedutível acumulada, na prática, é a aplicação de percentuais de 100% em todos os eventos e procedimentos em saúde da conta médica.

É isso mesmo?

Contrato em pré-pagamento e custo operacional?

A OPS não se responsabiliza pela cobertura, e o beneficiário não pode pagar nada à rede credenciada/referenciada/cooperada. Para que isso aconteça, a conta médica deve ser apresentada à OPS que, permanecendo a condição de não cobertura, deve repassar os custos ao beneficiário. Neste caso, está configurado um caso de pré-pagamento com um custo operacional, já que os custos devem ser cobrados?

Em outro cenário, o beneficiário “avisa” à OPS o valor consumido depois de pagar por ele. Ora, mas se é vedado ao beneficiário o pagamento direto ao prestador, como se daria isso?

E se o procedimento for questionado (técnica ou administrativamente) pela operadora, quais as regras se aplicariam a essa condição?

Conclusão

A Consulta Pública 60 continha, na proposta de RN,  algumas definições interessantes que, segundo a ANS, não encontraram aceitação pela “sociedade”.

Menciona ainda a ANS:

O art. 9º tratou das espécies de franquia e foi contestado, sobretudo, em razão de não vedar o custeio integral de procedimentos pelo beneficiário. Por outro lado, foram apresentadas contribuições favoráveis às propostas, em razão da possibilidade de oferecimento de novos produtos para o mercado.

A nova modalidade de franquia (dedutível acumulada) inova, pois, ao estabelecer novas carências, novas regras para internação e pronto-socorro e ao estabelecer formação de preço misto (ao menos por 12 meses). Inovação contra o contido na lei, mas inovação.

Durma com uma franquia dessas.

28 junho 2018

Unimed Manaus–e essa, agora?

A ANS informou hoje a alienação compulsória da carteira de beneficiários da Unimed Manaus. Com pouco menos de 145.000 vidas em dez/2017 S(segundo dados da ANS. Segundo o site da Unimed, pouco mais de 122.000 neste data).

Não é, portanto, uma das maiores do Brasil. Mas representa 64% das contratações de planos médicos do estado.

A concorrente direta na cidade é a SAMEL, medicina de grupo que detém menos de 16% do mercado.

Outra operadora da região é a Federação das Sociedades Cooperativas Médicas do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima, que não é concorrente da Unimed Manaus, ao contrário. Aliás, por uma questão de lógica, teria o maior interesse em não ver uma afiliada em tal situação.

Acontece que Manaus não é o Rio. Se a UNIMED Rio mereceu a atenção de importantes atores do setor (Unimed do Brasil, Central Nacional Unimed, Unimed Seguros), o mesmo parece não acontecer com a Unimed Manaus. Se não for liquidada, ao menos terá como prosseguir como prestadora de serviços.

A medida (alienação de carteira) é adotada quando se identificam “insuficiência das garantias do equilíbrio financeiro, anormalidades econômico-financeiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde” (dentre outras).

Num mercado  onde a concorrência inexiste e as opções de transferência de operadoras parece ser de baixíssima possibilidade, a ameaça ao consumidor está apresentada na própria decisão da ANS. Os consumidores terão dificuldades de atendimento, há uma provável possibilidade de que não surjam compradores, para que, somente aí, seja decretada a portabilidade especial.

Que garante somente o não cumprimento de novas carências.

Pouco?

20 junho 2018

A vez da CASSI–a grave crise

Infelizmente, chegou a vez da CASSI.

Resultado de imagem para cassiAqui, uma mensagem do presidente, Sr. Luís Aniceto Silva Cavicchioli, conclamando à união de todos: Cassi, Patrocinador e associados para enfrentar a situação

Aqui, uma relação de perguntas e respostas sobre a situação atual.

Acredito que seja uma boa hora para essa autogestão, a maior da modalidade do Brasil, tentar um real engajamento dos associados para reverter essa situação que não é benéfica a ninguém.

Também é hora para que a autogestão se reposicione em relação aos processos assistenciais, baixando custos administrativos e agindo sobre as despesas assistenciais.

Se fosse uma Unimed, estaria entre as 10 maiores do Brasil. Mas tem presença (dispersão) da Confederação das Unimed.

É de se lembrar que a abertura da milésima agência do Banco do Brasil, me meados dos anos 70, obrigou a uma reforma na numeração do então chamado CGC – o cadastro geral dos contribuintes, que previa somente (perdão pela ironia) 999 filiais para cada empresa.

Como o plano de saúde é para todos os funcionários, a CASSI tinha rede dimensionada para atendimento onde houvesse (via de regra) uma agência sua.

Esperemos que a crise seja superada, e que lições sejam aprendidas.

06 junho 2018

O papel do software de gestão nas empresas de saúde

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É de entendimento comum que o software de gestão nas empresas de saúde deva prover informações. Embasamento à decisões, avaliação de cenários, etc., normalmente é o que declaram executivos que buscam soluções de software.

Adicionalmente, entendem os atores que, para gerar informações, o software deva atender a um conjunto específico de regras de negócios, impedindo a transgressão de regras básicas nos processos. Este entendimento, aliado à ideia de que as regras de negócio são o cerne do negócio, proliferam as novidades na matéria, sempre originadas por quem quer mais controle e perseguidas pelos desenvolvedores de software como o Zero Kelvin (a temperatura absoluta, pragmaticamente inatingível).

Pois bem, o software realmente se destaca como o grande gerador de informações, sejam operacionais, sejam estratégicas, para que o tomador de decisões se oriente. Também é o esteio das regras de negócio que, bem aplicadas, amparam fortemente os processos da empresa.

Ocorre que o software deve ser um atalho, nunca um desvio.

Recorro ao Houaiss para esclarecer:

Atalho: caminho secundário, derivado de um principal, pelo qual se encurtam distâncias e/ou se chega mais rapidamente ao lugar de destino.

Desvio: segmento sinuoso (de estrada ou caminho, de rio etc.); curva, sinuosidade, volta;
afastamento de um padrão de conduta considerado aceitável; erro, falha.

O software deve ser um meio de encurtar caminhos, ou melhor, processos. Isso se dá pela automação, que é a incorporação de controles e passos pelo próprio sistema. Assim, um dos principais ganhos proporcionados pelo software é a economia de tempo, expressa empresarialmente em ganhos de produtividade e escala.

Quando a utilização do software enfrenta desvios, podemos entender que alguns processos operacionais ou não são atendidos pelo produto, ou os processos não está adequados. A avaliação é simples: estou gastando muito tempo com algum processo? Isso é sintoma de algo não está certo.

Algumas empresas dependem ainda de assinatura no papel para que processos tenham sequência, mesmo que os passos anteriores e posteriores estejam sendo realizados em sistema. Isso é um desvio. Há, por óbvio, diversas explicações plausíveis e aceitáveis para o fato. A questão é: qual o atraso que geram, e quais os custos desses atrasos?

Considerando-se que a “autorização” expressa pela assinatura seja indispensável, ela poderia ser realizada por uma funcionalidade de software? Claro que sim. Todos os que efetivam movimentações bancárias sabem que sim, com a adoção de alguns cuidados básicos.

Um dos desvios mais frequentes é o da conferência.

Uma regra de negócio é acionada para que alguém avalie uma determinada situação identificada pelo software. Essa é uma medida que deveria envolver processos de grande impacto financeiro, e seus resultados devem compensar os custos desses desvios. Em muitos casos, tal qual numa obra em uma estrada, o desvio deveria ser transitório, até que o caminho seja devidamente ajustado. Infelizmente, eles acabam sendo perenizados, e também seus custos.

Assim, uma das regras de ouro na utilização do software é o exercício da dúvida sistemática cartesiana. A avaliação permanente e sistemática dos atalhos e desvios que a empresa adota, bem como seus vantagens e desvantagens.

04 junho 2018

ABET–Epílogo

A ANS, através da Resolução Operacional n° 2.301, de 1° de junho de 2018, determinou a portabilidade especial para os beneficiários da ABET.

Dessa forma, os beneficiários poderão aderir a um outro plano de saúde de outra operadora sem cumprir os casos de carência que eventualmente já tenham cumprido.

A medida é um benéfica aos beneficiários, embora de alcance limitado. As adesões a um novo plano submetem-se às regras de preço de mercado, e não condicionam a aceitação, na nova operadora, à continuidade da prestação de assistência médica àqueles que estejam em tratamento na rede da ABET.

Mais uma autogestão que enfrenta um ocaso desnecessariamente infeliz.

30 maio 2018

Ainda sobre a ABET: e a Medida Provisória 2177?

question-mark-1927457_640A Medida Provisória 2177-44, de 24/08/2001, em seu artigo 8°, §3°, prevê os casos de encerramento voluntário de atividades por operadoras de planos de saúde, condicionando-a aos seguintes requisitos, além de outros eventualmente definidos pela ANS:

a) comprovação da transferência da carteira sem prejuízo para o consumidor, ou a inexistência de beneficiários sob sua responsabilidade;

b) garantia da continuidade da prestação de serviços dos beneficiários internados ou em tratamento;

c) comprovação da quitação de suas obrigações com os prestadores de serviço no âmbito da operação de planos privados de assistência à saúde;

d) informação prévia à ANS, aos beneficiários e aos prestadores de serviço contratados, credenciados ou referenciados, na forma e nos prazos a serem definidos pela ANS.

Fonte: www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2177-44.htm#art1, consultada em 30/05/2018.

Em sua comunicação oficial e em sua Perguntas e Respostas, a ABET deixa claro que:

- Não houve interessados em adquirir a carteira; portanto, não houve transferência de carteira.

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- A ANS ainda não determinou portabilidade especial da carteira, embora tenha sido solicitada pela Abet. Portanto, beneficiários não têm garantia de contratação de plano de mercado sem cumprir carência.

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- Ao beneficiário cabe a busca por um novo plano de saúde, para cobertura a partir de 01/07/2018.

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- Não obstante, a ABET tratou de garantir seus interesses financeiros:

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- Com relação aos pacientes internados e em tratamento, a ABET não oferece garantias, como determina a Medida Provisória 2177, e debita essa responsabilidade a um posicionamento da ANS:

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Tudo indica que os beneficiários (2.332 em 18/05/2018, segunda a própria ABET) terão muitos problemas com essa situação. Houve uma decisão por parte da operadora, de modo unilateral e em dissonância com dispositivos legais, e decorridos 12 dias da comunicação oficial aos beneficiários, a ANS ainda não se manifestou sobre o assunto.

Na prática, a decretação da portabilidade especial não muda muito a situação do beneficiário, pois continua sendo dele a responsabilidade pela procura e negociação de um novo plano de saúde. Mas a demora no posicionamento da ANS, sob a ótica do beneficiário, é preocupante

17 maio 2018

Mais uma autogestão encerra atividades–a ABET

mikado-1013877_1920A ABET – Associação Brasileira dos Empregados em Telecomunicações comunicou aos seus beneficiários, em 15/05/2018, que vai encerrar as atividades da operadora de planos de saúde, embora mantenha as demais atividades.

A autogestão, quando patrocinada, depende da visão do patrocinador sobre seus objetivos. Os mais perseguidos são a diminuição do absenteísmo, do presenteísmo, aumento da produtividades e, óbvio, diminuição das despesas com assistência médica de seus colaboradores.

Dos listados, o custo total da assistência médica é uma rubrica que salta aos olhos, por mensuração direta. E, frente aos demais, quando díspar, tem um peso predominante, quando não exclusivo na avaliação da manutenção do benefício.

É de se lembrar o forte questionamento enfrentado pelos então pré-candidatos à presidência dos Estados Unidos, Obama e Hillary Clinton,  sobre os descontrolados custos de assistência médica, tendo como centro as montadoras GM e Ford.

Outro fator relevante para as autogestões é o engajamento do beneficiário na utilização racional do plano de saúde. Embora teoricamente seja maior em autogestões, na realidade o engajamento não é aquele que se espera. Isso porque o beneficiário, ao contribuir para o plano, se coloca na condição de consumidor, exigindo o que entende serem seus direitos justamente pela contrapartida (o pagamento que realiza).

Não é por acaso que algumas autogestões encerraram suas atividades. Os números do setor não são favoráveis, e o tamanho de algumas implica em maiores riscos financeiros, pois enfrenta pequena diluição (teoria do mutualismo).

No caso da ABET, o beneficiário está totalmente desamparado: não houve interessados (segundo a própria empresa) em adquirir a carteira, e não há determinação de portabilidade especial por parte da ANS. Será mais um caso de pesca em pesque-pague: a vantagem é toda do vendedor de planos.

Os números da ABET permitem inferir suas dificuldades.

Resultado Financeiro:

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Sinistralidade:

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Despesa Administrativa

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Os dados têm origem na ANS.

26 abril 2018

A polêmica FRANQUIA e a pacífica COPARTICIPAÇÃO

confused-880735_1920Nos últimos dias, a franquia em planos de saúde ganhou manchetes em jornais pelo Brasil afora, motivadas pelo anúncio de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vai impor limites à sua utilização.

É estranha a reação, pois o mecanismo existe desde a Lei 9.656/98, e a ação atual da ANS é a de estabelecer limites aos valores cobrados, à guisa de proteção do consumidor, o que parece correto.

O assunto foi tema da Consulta Pública n° 60, que de 31/03/2017 a 02/05/2017 recebeu a participação da sociedade na elaboração de norma regulatória que ainda não foi publicada.

Na época, estas era as propostas da ANS:

01_info_comparativo - CP 60

Exigiria a ANS, ainda, as seguintes medidas na contratação:

04_transparencia_final - CP 60

Definições:

Coparticipação: valor pago à parte pelo beneficiário pela utilização de um procedimento. Este valor é pago à operadora (grifo meu).

Franquia: valor estabelecido no contrato de plano de saúde até o qual o beneficiário deve arcar para ter cobertura. Há três modalidades previstas: franquia acumulada, quando o  beneficiário arca com o custeio das despesas acumuladas no período de até um ano, até atingirem um determinado valor (conforme estabelecido em contrato); franquia por evento/grupo de eventos, modalidade em que o beneficiário arca com o custeio dos procedimentos até determinado valor (conforme estabelecido em contrato); e franquia limitada, que ocorre nas hipóteses em que o mecanismo de regulação só passa a incidir quando os procedimentos/eventos custem acima do valor determinado (definido em contrato). Este valor é pago pelo beneficiário diretamente à entidade médico-hospitalar (grifo meu).

Prática de mercado

No mercado de planos de saúde médicos, a franquia tem uma utilização muito pequena, pois o mercado opera predominantemente com a coparticipação, que é cobrada do beneficiário após a execução do procedimento diretamente pela operadora. A coparticipação é reconhecida como, ao mesmo tempo, medida regulatória e facilitadora de acesso.

Medida regulatória na medida em que, em tese, o beneficiário só realizaria um procedimento se realmente dele necessitasse, já que teria que pagar pelo mesmo.

Facilitadora de acesso na acepção comercial, pois reduz o valor da mensalidade estabelecida para o contrato.

O paradoxo da polêmica em torno da franquia

A franquia tem as mesmas características da coparticipação em termos de impacto financeiro para o beneficiário/contratante. Mas hoje não tem limites. A coparticipação e a coparticipação, segundo a Resolução Consu n° 8, têm uma única limitação financeira: não pode caracterizar financiamento integral do procedimento.

Mas nenhum normativo estabelece valores máximos por período pagos a título desses mecanismos de regulação financeira, embora que os contratos possam prever cláusulas a esse respeito.

Ambas as modalidades representam aspectos negociais da contratação do produto, e atingem diretamente o valor das mensalidades dos contratos. Não há registros de reações contra as coparticipações, embora estas não tenham limite (anual) nenhum.

Conclusão

Parece que uma medida que visa proteger o beneficiário foi divulgada como se fosse contrária a ele. Seria mais assertivo pedir que as coparticipações tivessem também um limite na norma, como está sendo aventado para a o franquia.

Também parece ser desproporcional a reação em função da utilização da franquia, mas comum em planos odontológicos.

Há que se fazer também uma correlação à Consulta Pública n° 60, que previa mais medidas protetivas aos beneficiários.

A informação assertiva tende a ser mais efetiva do que a manifestação estridente.

17 abril 2018

Autogestões: o cerco se fecha

patient-care-1874747_1920Autogestões são operadoras diferenciadas. Não têm de gerar lucro, embora tenham de perseguir bons resultados, o que quer dizer que elas se esmeram em prestar bom atendimento por missão. Estão num momento delicado, compreensível devido à crise ainda em andamento.

Mas a modalidade foi ferida de morte pela Resolução n° 23 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 18/01/2018, que estabelece regras rígidas para a formação e manutenção das autogestões, chegando mesmo a proibir a oferta de plano de saúde nos planos existentes nesse tipo de oferta. Claro que a Resolução abrange empresas estatais federais, mas atinge as estrelas da autogestão nacional: CASSI (Banco do Brasil), Saúde Caixa (Caixa Econômica Federal, Postal Saúde (Correios), dentre outras.

É preciso lembrar que, desde a edição da lei 9.656, de 1998, já foram fechadas mais de 400 autogestões (por ato voluntário ou compulsório), conforme relatório CADOP da ANS (posição em Fev/2018). Dessas, muitas de empresas privadas, assustadas pela nova regulamentação e pelas cominações previstas.

Autogestões emblemáticas, como Pirelli, Bosch e Nestlé fecharam a operação de saúde e contrataram operadoras de mercado.

Operadoras fechadas

São vários os desafios da operadora de plano de saúde, e o tamanho impacta diretamente os riscos envolvidos. Como a regra é do mutualismo, grandes populações diluem mais os custos, e oxigenam a carteira.

Autogestões privadas têm, predominantemente, pequenas populações. Portanto, alto risco. Autogestões de estatais têm maior população, mas com movimentação muitas vezes vegetativa, pela falta de contratação regular de funcionários, o que acarreta o envelhecimento da massa, aumentando os custos no total e eliminando parte do benefício do mutualismo.

Com relação às autogestões atingidas pela resolução governamental, resta saber em que ponto estão. É preciso analisar os números de sua atuação, e compará-los às regras de enquadramento da resolução. É de se registrar que a resolução destaca o “direito adquirido”, mas elimina, peremptoriamente, alguns benefícios a novos funcionários.

O decreto é rígido. Não admite exceções. Trata igualmente as autogestões com bom e com mau desempenho. Não se trata de contrato de gestão, trata-se de regra geral.

Em análise inicial, sem ter os dados das empresa atingidas, é de se lamentar que não haja uma progressividade nas ações. Apuração de números, estabelecimento de metas, ações corretivas, etc., deveriam ser o caminho lógico.

Mas estamos falando de quatro milhões de beneficiários, um pedaço muito apetitoso do mercado para operadoras comerciais.

Por outro lado, será que as autogestões que transportam de jatinho seus doentes para atendimento em São Paulo continuam a existir sem maiores constrangimentos?

A apurar.

03 abril 2018

A alienação da carteira da Unimed Estâncias Paulistas

A ANS publicou, nesta data (03/04/2018), a Resolução Operacional 2.282, determinando a alienação da carteira da Unimed Estâncias Paulistas, de Bragança Paulista.

Não é segredo que as cooperativas podem passar por problemas tanto quanto outras operadoras de outras modalidades. Mas sempre é assustador quando uma enfrenta uma situação dessas.

Os números da Unimed Estâncias Paulistas, desde 2010, são os seguintes (ressalvando que o ano de 2017 conta somente com três trimestres publicados pela ANS):

Resultado financeiro:

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A linha de tendência indica os riscos desde 2010.

Sinistralidade

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Notável que a sinistralidade estivesse, desde 2010, dentro das melhores expectativas das operadoras de planos de saúde. Muitas invejariam esses números.

Percentual de despesas administrativas

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Aqui, outro indício de variação significativa perto do mercado.Em 2013, apresentou despesas administrativas de 53,3%. Esse cálculo leva em consideração despesas administrativas e receita de contraprestações.

O valor é elevadíssimo, indica um risco grave de ineficiência de processos.

Surpresa? Sob certos aspectos, sim. Mas não sob a análise fria dos números.


Fonte dos dados: ANS (ANS Tab Net, consultado em 03/04/2018, 15h).

02 abril 2018

Racionalismo cartesiano e operadoras de planos de saúde

thinker-1027594_1920Há uma certa unanimidade nos discursos dos atores da saúde suplementar sobre as dificuldades existentes. Também é ponto de consenso o conjunto de ações para superar a crise permanente. Mas do discurso à ação há um enorme precipício.

Operadoras de planos de saúde (OPS) dizem apostar em redução da sinistralidade e dos custos administrativos. E o que fazem a respeito?

O que sempre fizeram!

Exemplo singelo de desperdício

Na diminuição da sinistralidade, por exemplo, apostam em critérios técnicos e administrativos para emitir guia de autorização para realização de procedimentos.

Um desses critérios é a apresentação de justificativa para autorizar certos procedimentos. E há quem se gabe: – Sem justificativa, não autorizo!

Este é um daqueles muitos casos em que o racionalismo cartesiano deveria ser aplicado, perquirindo o custo desse controle e cotejando-o ao benefício obtido. Não é – ou não deveria ser - surpresa se resultado não o que esperam as OPS.

O tempo do analista da regulação é um item do custo (direto, neste caso). A satisfação do beneficiário é outro item (indireto). E o benefício pode ser analisado pela quantidade de negativas efetivadas para aquele item em particular, devido à inadequação da justificativa apresentada.

Memória de cálculo do exemplo

Desdobrando o custo, calcula-se o tempo médio mensal dedicado à análise. Se a análise demandar dois minutos, por exemplo, e a quantidade mensal totalizar 1.000 pedidos, teremos 2.000 minutos de tempo mensal. Em horas, pouco mais de 30h mensais de análise. Ou quase quatro dias de trabalho de um funcionário.

Custo

A negativa de atendimento importará em economia igual à “quantidade negada” x  “custo do procedimento”.

Benefício

Para que a medida se justifique, a economia deve ser maior que o custo. E há ainda a provável insatisfação do beneficiário, que pode gerar uma reclamação na ANS, com todas as consequências conhecidas.

Em análise profunda em operadoras, pode-se localizar diversos processos internos que não satisfazem à condição da melhor relação entre custo e benefício.

Ao contrário, encontram-se processos realizados por crenças infundadas de que atendem às melhores práticas. Gestores mostram-se inseguros em abandonar velhas práticas e céticos em relação à avaliação financeira como vetor de decisão.

No exemplo, emissão de guias de autorização. Mas temos exemplos fortíssimos de processos ineficientes e de alto custo também em contas médicas, faturamento, atendimento ao cliente, etc.

Conclusão

A dúvida sistemática cartesiana deveria estar mais presente no dia a dia das OPS, com impactos positivos diretos nas despesas administrativas e assistenciais.

A questão é que o ambiente de mudanças é permanente e essas mudanças são demandadas pelo ambiente em que vivemos. Parece suficiente o bastante, e é o motivo pelo qual gestores não querem ser mais fontes de mudanças. Nem se forem para melhor.

22 fevereiro 2018

Qual é o foco das negociações das operadoras com a rede credenciada?

communication-1297544_1280Quando Operadoras de Planos de Saúde (OPS) negociam contratos com Prestadores de Serviços Médico-Hospitalares (PSMH), normalmente argumentam a quantidade potencial de atendimentos a serem gerados (ou a massa da localidade/região), apresentando a ideia de volume de atendimentos.

O PSMH, por sua vez, deseja ver considerados no valor seus esforços para manter áreas bonitas e limpas, além de adequadas ao volume que esperam. Quanto maior a qualidade percebida, maior é o valor esperado pelo uso de suas instalação.

Os honorários também têm a lógica de volume/notoriedade do profissional ou da instituição, sendo que alguns profissionais sequer atendem em nome de OPS.

Cada lado deseja a melhor negociação sob seu único ponto de vista, representando os dois extremos: menor valor possível para a OPS pagar, maior volume possível para o PSMH receber.

Olhando-se para esse dois polos, uma figura faz falta: o beneficiário/paciente. É muito raro que a negociação considere a resolutividade do tratamento dado ao paciente. Aliás, o processo de fee for service na saúde suplementar traduz service como atendimento, não como tratamento.

Em análise mais detalhada, faz mesmo lógica que seja assim para OPS e PSMH. O paciente escolhe seus médicos, que escolhem os hospitais onde realizam procedimentos. Findo aquele atendimento, seja ambulatorial, seja em regime de internação, nem mesmo o beneficiário se mantém fiel aos acompanhamentos recomendados. Portanto, adesão ao tratamento é manifestação volitiva ativa do paciente. Se este decidir não adotar o tratamento, nada o impede. (Entendendo tratamento como uma séria de ações médicas, acompanhados ou não de exames, até que se obtenha um desfecho).

Do lado do beneficiário, que é o polo ativo desta relação, embora seja o mais invisível, há que se entender a dificuldade de aceitação do processo. Recentemente, um paciente chegou com meia hora de antecedência a uma consulta agendada com muita antecedência, e saiu da clínica após três horas de espera. Falou com o médico por menos de 5 minutos. Essa situação leva a desperdício de tempo que desmotiva o beneficiário a ir para as consultas, principalmente quando já se sente melhor (não necessariamente bem).

O cenário, então, é que a OPS considera caro o atendimento. Encara como despesa, e é assim que o contabiliza. Por isso, paga o mínimo possível. O PSMH aceita essa situação. E atende, considerando a percepção de valor (financeiro, neste caso) do seu atendimento.

Qual seria a realidade se o PSMH se esforçasse, de forma genuína, a envolver o paciente no tratamento, seguindo conselhos e fazendo exames e consultas de controle?

Não seria muito diferente da atual.

Os pagamentos são após o procedimento, no menor tempo acordado entre as partes. Caso a resolutividade tivesse de ser aferida, em que tempo poderia sê-lo? Quanto tempo é suficiente para dizer se uma determinada ação (ou procedimento) foi bem sucedida? Como valorar esse “sucesso”?

Apesar das dificuldades, esse acompanhamento após o procedimento é essencial para o beneficiário manter sua saúde controlada. Mas a Saúde Suplementar não está nem próxima a privilegiar aquele que deveria ser o centro das ações da ANS, das OPS e dos PSMH.

Ainda assim, vão todos bem, obrigado. Não se sabe do beneficiário, mas os demais estão, sim, muito bem.

07 fevereiro 2018

A teleologia da lei 9656 (marco dos planos de saúde)

arrow-2889040_640O cenário antes da lei 9656 era caótico. Ao menos para o consumidor. Contratos com cláusulas leoninas, limitações de cobertura, limites de dias de internação e UTI, etc. eram problemas comuns que os contratantes dos então chamados convênios médicos enfrentavam.

A lei 9656 veio para estabelecer ordem no caos. Definiu regras e procedimentos, padronizou coberturas, estabeleceu parâmetros de atuação. Sua finalidade, observadas suas características e seu alcance, foi proteger o consumidor, agora chamado de beneficiário, de abusos das operadoras de planos de saúde. Afinal, o consumidor, parte hipossuficiente nessa relação, não tinha condições de reverter a situação.

É de se concluir, então, que o objetivo da lei foi garantir o acesso do beneficiário à assistência médica, equilibrando a relação entre contratante e contratado, mitigando possibilidades de abusos dos últimos.

Depois de 20 anos, a lei está defasada. Não protege mais o consumidor, ao contrário. A lei fez com que, ao longo do tempo, operadoras deixassem de celebrar contratos com pessoas físicas, por causa do engessamento das regras de reajuste. A lei que deveria facilitar e garantir acesso acabou por restringi-lo.

Parece que a Lei 9656 adquiriu um fim em si mesma, deslocando o foco do beneficiário. Não é por outro motivo que a ANS, instada a se manifestar sobre planos mais acessíveis, o fez somente dentro do que a lei já permite.

No tripé da Teoria Tridimensional do Direito (de Miguel Reale) valor fato e norma interagem para que haja equilíbrio entre a percepção da sociedade e sua valoração sejam positivados de forma a evoluir (ou mudar) de forma constante. Depois de 20 anos, a lei 9656 ainda não teve essa avaliação. Algumas ações no poder legislativo, a soldo das operadoras, buscam somente o relaxamento de algumas regras.

Está na hora da lei evoluir. O cidadão comum já sabe o custo da saúde suplementar que aí está. Está precisando de novidades. Aliás, historicamente, com pequenas variações, a população coberta está sempre em torno de 25% da população. Mais estagnado que isso não poderia estar.

30 janeiro 2018

Bilionários americanos criam autogestão

bald-eagles-3112610_640Está no G1. Warren Buffet (Berkshire Hathaway), Jeff Bezos (Amazon) e Jamie Dimon (CEO do JPMorgan Chase) se uniram para criar um conglomerado para prestar serviços de saúde aos funcionários de suas empresas.

O objetivo é a redução de custos, com incremento de qualidade de vida.

Num momento delicado para as autogestões no Brasil a iniciativa tem forte simbolismo. Os desafios da empreitada serão semelhantes àqueles enfrentados pelas autogestões do Brasil e, por que não dizer, das demais modalidades de operadoras.

A notícia não menciona o grau de verticalização que se pretende, até por ser este um dado a ser definido por estudos da nova empresa. Mas se o atendimento se der por uma rede totalmente contratada, as chances de contenção de gastos passam pela negociação de protocolos de atendimento  muito bem controlados por ambas as partes, tanto na execução, como nos seus custos.

De outro lado, a percepção do benefício pelo funcionário é essencial para o sucesso da empreitada. Se o funcionário se aliar à questão da diminuição de custos, as chances de sucesso aumentam. Se u funcionário, entretanto, enxergar o benefício mais como obrigação da empresa, seu comportamento será o da utilização do sistema independente de custo. Situação que, aliás, é universal.

Ainda é recente a grande discussão travada pelos ainda pré candidatos Obama e Hilary em 2008, quando grandes montadoras tinham como maior despesa a assistência médica de seus trabalhadores.

Mas um sinal está dado: a autogestão tem futuro. Pelo menos nos Estados Unidos.

24 janeiro 2018

A inteligência artificial e as regras de negócios

A chamada parametrização das regras de negócio é, na implantação de um software, um dos principais caminhos críticos do projeto. Essencial ao funcionamento correto do produto, consome um elevado tempo para realização e por vezes desestimula o aprofundamento. Em algumas vezes, pega o cliente de surpresa, pois tem nuances em que ele nunca havia pensado.

No  mercado de saúde, em especial operadoras de planos de saúde e hospitais, são milhares os parâmetros existentes nos produtos. E seu preenchimento leva a maior parte do tempo total de projeto. Alguns, os mais afoitos, ignoram as possibilidades, para se arrepender somente quando a conta chega. Os mais disciplinados pagam o custo do tempo excedente de projeto.

Em alguns casos, o parâmetro é somente um referencial genérico. Ou seja, a regra, que deveria ser geral, é ignorada em certas condições para certos atores. Um levantamento independente mostrou que numa operadora 80% das glosas automáticas feitas pelo sistema eram revertidas pelos analistas de contas. Ora, o parâmetro estava controlando a regra ou a exceção? Os analistas despendiam tempo precioso para reverter a ação automática de um parâmetro, quando este deverias lhes proporcionar ganhos de produtividade.

Com a inteligência artificial o cenário muda. Se a empresa tem um histórico em base de dados, a IA pode estudar seu comportamento e considerar parâmetros diferentes para processo relativamente idênticos na essência, mas com atores e condições distintas. As regras passam a ser mais fluidas, quebrando o rigor que hoje engessa muitas análises.

A IA pode, inclusive, expor as ineficiências da operação. Por exemplo, um processo que dependa obrigatoriamente de intervenção humana (análise) mas que é sempre acatado sem mudanças representa um desperdício de tempo e, portanto, dinheiro. Mas que o parâmetro faria, portanto.
O parâmetro não acaba com a IA. Mas passa a ser alimentado por ela e, se necessário, ajustado, tudo de acordo com o comportamento aprendido pela analise massiva dos dados de histórico.

Quem não gostaria de parâmetros automáticos? Com a IA, isso é cada vez mais concreto.