03 setembro 2015

Unimed Paulistana e as cooperativas médicas brasileiras

Paulistana Finalmente houve o desfecho esperado, previsto e indesejado: a falência da Unimed Paulistana. Seus quase 745 mil beneficiários devem ser alocados em outra operadora, que deve honrar o contrato original. O que não garante o atendimento nessa transição. Prestadores de serviços médico-hospitalares, sem saber a quem enviar a conta, já anunciam paralisação dos atendimentos. Natural que assim seja, embora ruim para beneficiários e para o sistema como um todo.

Uma lenta agonia, com anúncios bombásticos em jornais querendo mostrar força e recuperação. Mas o problema era grande demais para ser solucionado sem aporte de capital. A maior singular do sistema Unimed acabou. Tal e qual a Unimed São Paulo, de triste lembrança.

Cooperativas Médicas

Seria de se esperar que as cooperativas médicas oferecessem serviços relacionados à formação de seus profissionais. Portanto, serviços médico-hospitalares. No caso do sistema Unimed, as cooperativas oferecem assistência médica MAIS operação de planos de saúde. Na prática, tornam-se tomadores e prestadores de serviço. Antes da Lei 9.656, sem as restrições que esta impôs, havia lógica nessa oferta, já que os riscos eram mitigados por cláusulas contratuais depois proibidas.

Com a edição da Lei, entretanto, os riscos cresceram de forma geométrica. A obrigatoriedade de cobertura, a extinção das limitações (quase todas), o contingenciamento de reajustes fizeram com o que o lucro se transformasse em. no mínimo, incerto. E, de fato, várias operadoras de planos de saúde passaram a operar no prejuízo, o que fez com que muitas fechassem, liquidadas, falidas, ou adquiridas.

Para agravar a condição das cooperativas, há a questão da Unimilitância, em que o médico se comprometia (muitas vezes formalmente) a não atender outras operadoras que não fossem UNIMED. O que circunscrevia sua atuação aos clientes da sua cooperativa ou das co-irmãs (chamadas de singulares).

Do ponto de vista financeiro, o que faria mais lógica para os médicos cooperados? Oferecer serviços a todas as operadoras que se dispusessem a pagar os preços pretendidos ou continuar com o universo restrito aos beneficiários de planos Unimed?

Numa visão míope, o sistema decidiu pela segunda opção. Consolidou sua presença em muitas cidades, regiões e mesmo estados, sempre vendendo planos de saúde de forma quase sem concorrência, com honrosas exceções. E ganhou muito dinheiro com essa abordagem.

O mercado, em mudanças constantes, embicou em rumos que agravariam a situação. Receitas de menos e despesas demais fizeram com fossem repensadas diversas práticas em voga nas operadoras. Lucros minguando, problemas aumentando, o mercado todo foi atingido, e a Unimed não escapou do fenômeno.

Mas em vez de perceber sua grande força – prestação de serviços médico-hospitalares – insistiu na operação de planos de saúde. Na prática, essa decisão indica que o sistema Unimed deixou de vender seus serviços a lucro certo para “comprar” os riscos de seus beneficiários. Sim, pois nunca se sabe o valor financeiro da assistência médica a ser exigida pelo beneficiário.

Como o mercado já percebeu, esse risco é grande demais.

Política no mundo Unimed

As Unimed têm sua administração eleita. Portanto, há um forte componente político envolvido nas ações dos diretores. Isso causa naturais inchaços na máquina, e marca decisões do colegiado, tudo pela manutenção de votos.

Assim, diversas ações de regulação empreendidas pelos outros segmentos não têm sucesso nas cooperativas ou são muito tímidas. Como as despesas administrativas crescem, o resultado se compromete. Imaginando que haja 4 diretores (número conservador) e um presidente em cada Unimed, e considerando-se que são mais de 350, há de se imaginar os custos decorrentes da manutenção dessa estrutura hierárquica no sistema.

Tecnologia

Ao longo dos anos, houve várias tentativas de padronização tecnológica no sistema Unimed. Todos com problemas e em constante fase de reengenharia. Nenhum deles em condições de automatizar os processos internos e acompanhar a evolução tecnológica.Uma tarefa impossível, já que cada Unimed tem seus processos, sem necessariamente obedecer a nenhuma diretriz de padronização.

A pergunta é: deveria um sistema voltado para prestação de serviços médico-hospitalares e operação de planos de saúde desenvolver seus próprios sistema de gestão? OU seria mais lógico que esse sistema se voltasse para tecnologia assistencial?

Parece que nunca saberemos.

O tamanho das Unimed

Há singulares com pouco mais de 2.000 beneficiários, com diversos tamanhos até a Paulistana, com seus quase 744.000.  Justifica-se a existência dessas muito pequenas?

Sim, justifica-se pelo aspecto político. Cada Unimed representa voto. Mas é óbvio, sob o ponto de vista do risco, que uma hora outra essas muito pequenas terão sérios problemas.

Há um caso bem sucedido no Brasil, em que a Unimed é estadual, e a ela se ligam os médicos interessados. Assim, uma administração central capitaliza a utilização dos cooperados e suas clínicas, hospitais e laboratórios. Isso não impede essa Unimed, entretanto, de enfrentar os mesmos problemas que assolam o mercado nacional.

A “unimilitância”

Proibida de constar em contrato, a cláusula de prestar serviços somente para a Unimed ainda está presente na maioria dos cooperados, com as exceções das operadoras que não representam concorrência (autogestões, em sua maioria). Como o mercado anda cum excesso de demanda, isso não incomoda os profissionais médicos. Mas aqueles que são proprietários de hospitais já sentiram (financeiramente) que a prática é indispensável em épocas de vacas magras. Hospitais de Unimed atendem, sim,  outras operadoras. Ao menos aqueles com administrações profissionais, cujo desempenho é avaliado por resultados efetivos e não de proteção ao sistema.

Beneficiários da Paulistana

A estes, cabe esperar. Quem arrematar a carteira terá que cuidar dessa massa transferida, já sem cobertura (na prática) a partir de hoje. É uma pena, pois esse desfecho já se fazia sentir há meses e meses. Mas o mundo Unimed, a ANS, e os atores da saúde suplementar assistiram, impotentes ou omissos, o caso chegar a um nível insustentável.

O mercado, depois da Paulistana

Se a segunda maior singular das Unimed faliu, o que se pode esperar das demais cooperativas? O que as outras modalidades de operadoras devem temer? Que providências adotar para evitar semelhante destino? Que medidas se espera da ANS para evitar novas quebras?

Ninguém sabe. Mas as saúvas proliferam.