01 outubro 2012

A agenda da ANS

Primeiro, foi o impedimento à comercialização de planos. Depois, veio a Consulta Pública sobre medicação domiciliar. A seguir, a Consulta Pública sobre ouvidorias. Imediatamente, a Consulta Pública sobre a negativa de autorização.

Desavisados poderão confundir a atuação da ANS com a do Procon. Aliás, no episódio do impedimento à comercialização, a comunicação foi conjunta com o Ministério da Saúde, dando a entender que tratava-se de uma orquestração maior, percepção imediatamente ampliada pela suspensão da venda de chips de operadoras telefônicas. E as operadoras punida brandiram, com certa razão, seus argumentos com relação às NIP recebidas, e que tiveram acolhida por parte da ANS.

A medicação domiciliar é uma medida já estabelecida pelo SUS, para os casos de doenças crônicas. Para operadoras de planos de saúde, nada mais lógico do que gastar alguns reais em um anti-hipertensivo e evitar uma complicação de saúde que custará muito mais. Mas a informação é essencial para que medidas como essa sejam tomadas. Com a proibição (mais corretamente: com a falta da exigência) do CID nas contas médicas e pedidos de autorização, limita-se muito a capacidade da operadora em conhecer informações sobre a saúde de seus beneficiários, mesmo que para tomar ações em seu benefício. A operadora tem de se basear em doenças auto-referidas para identificar seus crônicos. Ou, por silogismo, a partir da utilização de serviços médicos hospitalares, concluir que tal beneficiário PODE SER um provável crônico. A ironia, aqui, é que depende-se da receita médica para obtenção do benefício no SUS. Ou seja, ainda sem o CID, mas quase lá… E cabe ressaltar que a ANS está propondo o benefício como cobertura adicional, não como uma exigência de fornecimento, que mostra saber ela que a medida é cara e polêmica.

Na questão das ouvidorias, A Unimed Paulistana tem Ouvidoria. Assim como a Amil. Uma teve a comercialização de planos suspensa. A outra figura como uma das mais reclamadas do setor. Como se infere, então, que a simples presença de ouvidorias pode garantir qualidade aos beneficiários? Diferentemente de estabelecer uma estrutura contábil a ser seguida pelas operadoras, não cabe à ANS definir componentes da estrutura organizacional. Os custos envolvidos com a criação desse apêndice estrutural se somam aos já pesados encargos das operadoras, sem que haja uma mínima contrapartida de qualidade, como os exemplos citados já mostraram.

A negativa de autorização, entretanto, é um marco positivo. Tão positiva que deveria figurar dentre os procedimentos obrigatórios para TODOS os serviços essenciais. Não é raro que sejam negados procedimentos, e nem sempre por motivos injustos. Mas há ocasiões em que a autorização realmente não sai, ou demora tanto para sair que asa consequências para o beneficiário são péssimas. Saber por que seu procedimento foi negado é um direito do consumidor/beneficiário, e a medida é muitíssimo benvinda.

Mas, retrospectivamente, notamos que a agenda da ANS tem a ver com o consumidor. É bom que assim seja, e é péssimo que seja somente assim. O consumidor de planos de saúde (erroneamente chamados de “convênios”) estava sem proteção alguma, e a lei não garantia a execução de seus pressupostos. Na figura da agência reguladora, a ANS (a mais atuante das agências reguladoras, faço questão de ressaltar), muitas áreas de sombra estão sendo iluminadas para beneficiar a parte hipossuficiente, o beneficiário.

O que não se pode ignorar, nem esquecer, é que há uma estrutura voltada para a garantia desses benefícios. O cenário se compõe de Operadoras de Planos de Saúde (OPS), prestadores de serviços médico-hospitalares (PSMH) e beneficiários (com um destaque para os contratantes de planos coletivos). Quando a ANS se volta para os beneficiários, está focando somente numa das bases do tripé.

Prestadores de Serviços médico-hospitalares

A ANS não age diretamente sobre os PSMH. Mas exige, corretamente, que OPS mantenham contratos com eles em números suficientes para garantir atendimento. Como se calculam esse números? Não se sabe. Há a Consulta Pública 26, que não virou Resolução Normativa, mas que baliza cálculos do setor. Mas sua aplicação exata não garante o atendimento, infelizmente. Esta deveria ser uma preocupação da ANS:agir sobre PSMH. É notória a unimilitância, em que os médicos cooperados atendem somente à sua cooperativa ou clientes chamados particulares. A ANS agiu proibindo que a prática figurasse nos estatutos das cooperativas. O resultado? Estatutos sem a cláusula, mas médicos praticando-a. Na prática, existe a unimilitância. Isso parece não preocupar a ANS. A falta de médicos, que causa o aumento do tempo de atendimento ou o atendimento em pronto socorro (ou pronto atendimento) é uma consequência nefasta disso. Mais que a falta de ouvidoria…

A falta de hospitais é um dos grandes problemas estruturais do setor. O hospital que tem 300 leitos os tem para TODAS as OPS com quem tem contrato de credenciamento. Ou seja, quem chega primeiro se interna, os tardios esperam. Estudos de entidades de classe demonstram a escassez desses recursos, mas a atuação conjuntural parece não fazer parte das atribuições da ANS. Sem reconhecer que este problema não é exclusivo das operadoras, mas um problema do Brasil não se chegará a um debate sério para resolver esse problema. Mais hospitais, com mais recursos, essa é uma necessidade real e urgente. E não adiantará multar OPS que não consigam internar seus beneficiários em 21 dias (úteis), que o problema não se resolverá.

Custos de órtese/prótese

No meio da saúde, é famosa a questão dos custos de órteses e próteses. Variações de preço, para uma mesma peça, que chegam a 2.000%. É um enorme ofensor dos custos, e uma grande ameaça à saúde financeira das OPS. Em vez de se debruçar sobre essa questão, que tal estudarmos o fornecimento de medicamentos aos beneficiários?

Indicadores na Saúde Suplementar

Desde há muito sinto falta de indicadores na saúde suplementar. Os prazos de atendimento estabelecidos pela ANS de certa forma respondem a esse clamor. Mas ainda é muito pouco. Logo após a edição das RN que tratam dos prazos máximos de atendimento, várias operadoras afirmaram que já atendiam a esses prazos, com tempos ainda menores. Antes do estabelecimento desses prazos, foi feita uma pesquisa com algumas operadoras, mas com números jamais revelados. Eu, como beneficiário, gostaria de saber quem são os mais rápidos a autorizar uma cirurgia eletiva, por exemplo. Assim como gostaria de saber quem são as OPS que têm maior relação de médicos por beneficiário, as que tem maior índice de negativas, as que… enfim, gostaria de saber de indicadores. É preciso que haja uma base de comparação para que o beneficiário escolha uma OPS, ou para que estas estabeleçam processos de melhoria em função de benchmarking de mercado. Tal não é, entretanto, o entendimento da ANS.

Conclusão

A ANS é, de longe, a agência reguladora mais atuante do Brasil. Sua atuação tem se pautado, entretanto, visando o bem exclusivo dos beneficiários e, subsidiariamente, dos PSMH (como demonstram as exigências de contratualização, o Programa Olho Vivo, etc.). O setor, entretanto, precisa de garantias de equilíbrio. A judicialização da assistência médica é outro fator que vem pesando nas contas das OPS. Sem pensar na Saúde Suplementar como um todo conectado e interdependente (a típica relação da Teoria Geral dos Sistemas), corre-se o risco de imputar a um dos atores uma carga desnecessariamente onerosa, arriscando-se mesmo levar esse ator à exaustão. E, nas ações da ANS, esse tipo de abordagem nunca foi o padrão. Os beneficiários devem se sentir amparados pelas ações “proconianas” da ANS. Aqueles que analisam atividades e números do setor, entretanto, têm motivos para temer uma forte crise no setor, em alguns anos, se o equilíbrio não se restabelecer. E, gerada a crise, quem mais vai sofrer é o beneficiário, hoje o suposto objeto das ações.

A ver.