26 abril 2018

A polêmica FRANQUIA e a pacífica COPARTICIPAÇÃO

confused-880735_1920Nos últimos dias, a franquia em planos de saúde ganhou manchetes em jornais pelo Brasil afora, motivadas pelo anúncio de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vai impor limites à sua utilização.

É estranha a reação, pois o mecanismo existe desde a Lei 9.656/98, e a ação atual da ANS é a de estabelecer limites aos valores cobrados, à guisa de proteção do consumidor, o que parece correto.

O assunto foi tema da Consulta Pública n° 60, que de 31/03/2017 a 02/05/2017 recebeu a participação da sociedade na elaboração de norma regulatória que ainda não foi publicada.

Na época, estas era as propostas da ANS:

01_info_comparativo - CP 60

Exigiria a ANS, ainda, as seguintes medidas na contratação:

04_transparencia_final - CP 60

Definições:

Coparticipação: valor pago à parte pelo beneficiário pela utilização de um procedimento. Este valor é pago à operadora (grifo meu).

Franquia: valor estabelecido no contrato de plano de saúde até o qual o beneficiário deve arcar para ter cobertura. Há três modalidades previstas: franquia acumulada, quando o  beneficiário arca com o custeio das despesas acumuladas no período de até um ano, até atingirem um determinado valor (conforme estabelecido em contrato); franquia por evento/grupo de eventos, modalidade em que o beneficiário arca com o custeio dos procedimentos até determinado valor (conforme estabelecido em contrato); e franquia limitada, que ocorre nas hipóteses em que o mecanismo de regulação só passa a incidir quando os procedimentos/eventos custem acima do valor determinado (definido em contrato). Este valor é pago pelo beneficiário diretamente à entidade médico-hospitalar (grifo meu).

Prática de mercado

No mercado de planos de saúde médicos, a franquia tem uma utilização muito pequena, pois o mercado opera predominantemente com a coparticipação, que é cobrada do beneficiário após a execução do procedimento diretamente pela operadora. A coparticipação é reconhecida como, ao mesmo tempo, medida regulatória e facilitadora de acesso.

Medida regulatória na medida em que, em tese, o beneficiário só realizaria um procedimento se realmente dele necessitasse, já que teria que pagar pelo mesmo.

Facilitadora de acesso na acepção comercial, pois reduz o valor da mensalidade estabelecida para o contrato.

O paradoxo da polêmica em torno da franquia

A franquia tem as mesmas características da coparticipação em termos de impacto financeiro para o beneficiário/contratante. Mas hoje não tem limites. A coparticipação e a coparticipação, segundo a Resolução Consu n° 8, têm uma única limitação financeira: não pode caracterizar financiamento integral do procedimento.

Mas nenhum normativo estabelece valores máximos por período pagos a título desses mecanismos de regulação financeira, embora que os contratos possam prever cláusulas a esse respeito.

Ambas as modalidades representam aspectos negociais da contratação do produto, e atingem diretamente o valor das mensalidades dos contratos. Não há registros de reações contra as coparticipações, embora estas não tenham limite (anual) nenhum.

Conclusão

Parece que uma medida que visa proteger o beneficiário foi divulgada como se fosse contrária a ele. Seria mais assertivo pedir que as coparticipações tivessem também um limite na norma, como está sendo aventado para a o franquia.

Também parece ser desproporcional a reação em função da utilização da franquia, mas comum em planos odontológicos.

Há que se fazer também uma correlação à Consulta Pública n° 60, que previa mais medidas protetivas aos beneficiários.

A informação assertiva tende a ser mais efetiva do que a manifestação estridente.

17 abril 2018

Autogestões: o cerco se fecha

patient-care-1874747_1920Autogestões são operadoras diferenciadas. Não têm de gerar lucro, embora tenham de perseguir bons resultados, o que quer dizer que elas se esmeram em prestar bom atendimento por missão. Estão num momento delicado, compreensível devido à crise ainda em andamento.

Mas a modalidade foi ferida de morte pela Resolução n° 23 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 18/01/2018, que estabelece regras rígidas para a formação e manutenção das autogestões, chegando mesmo a proibir a oferta de plano de saúde nos planos existentes nesse tipo de oferta. Claro que a Resolução abrange empresas estatais federais, mas atinge as estrelas da autogestão nacional: CASSI (Banco do Brasil), Saúde Caixa (Caixa Econômica Federal, Postal Saúde (Correios), dentre outras.

É preciso lembrar que, desde a edição da lei 9.656, de 1998, já foram fechadas mais de 400 autogestões (por ato voluntário ou compulsório), conforme relatório CADOP da ANS (posição em Fev/2018). Dessas, muitas de empresas privadas, assustadas pela nova regulamentação e pelas cominações previstas.

Autogestões emblemáticas, como Pirelli, Bosch e Nestlé fecharam a operação de saúde e contrataram operadoras de mercado.

Operadoras fechadas

São vários os desafios da operadora de plano de saúde, e o tamanho impacta diretamente os riscos envolvidos. Como a regra é do mutualismo, grandes populações diluem mais os custos, e oxigenam a carteira.

Autogestões privadas têm, predominantemente, pequenas populações. Portanto, alto risco. Autogestões de estatais têm maior população, mas com movimentação muitas vezes vegetativa, pela falta de contratação regular de funcionários, o que acarreta o envelhecimento da massa, aumentando os custos no total e eliminando parte do benefício do mutualismo.

Com relação às autogestões atingidas pela resolução governamental, resta saber em que ponto estão. É preciso analisar os números de sua atuação, e compará-los às regras de enquadramento da resolução. É de se registrar que a resolução destaca o “direito adquirido”, mas elimina, peremptoriamente, alguns benefícios a novos funcionários.

O decreto é rígido. Não admite exceções. Trata igualmente as autogestões com bom e com mau desempenho. Não se trata de contrato de gestão, trata-se de regra geral.

Em análise inicial, sem ter os dados das empresa atingidas, é de se lamentar que não haja uma progressividade nas ações. Apuração de números, estabelecimento de metas, ações corretivas, etc., deveriam ser o caminho lógico.

Mas estamos falando de quatro milhões de beneficiários, um pedaço muito apetitoso do mercado para operadoras comerciais.

Por outro lado, será que as autogestões que transportam de jatinho seus doentes para atendimento em São Paulo continuam a existir sem maiores constrangimentos?

A apurar.

03 abril 2018

A alienação da carteira da Unimed Estâncias Paulistas

A ANS publicou, nesta data (03/04/2018), a Resolução Operacional 2.282, determinando a alienação da carteira da Unimed Estâncias Paulistas, de Bragança Paulista.

Não é segredo que as cooperativas podem passar por problemas tanto quanto outras operadoras de outras modalidades. Mas sempre é assustador quando uma enfrenta uma situação dessas.

Os números da Unimed Estâncias Paulistas, desde 2010, são os seguintes (ressalvando que o ano de 2017 conta somente com três trimestres publicados pela ANS):

Resultado financeiro:

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A linha de tendência indica os riscos desde 2010.

Sinistralidade

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Notável que a sinistralidade estivesse, desde 2010, dentro das melhores expectativas das operadoras de planos de saúde. Muitas invejariam esses números.

Percentual de despesas administrativas

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Aqui, outro indício de variação significativa perto do mercado.Em 2013, apresentou despesas administrativas de 53,3%. Esse cálculo leva em consideração despesas administrativas e receita de contraprestações.

O valor é elevadíssimo, indica um risco grave de ineficiência de processos.

Surpresa? Sob certos aspectos, sim. Mas não sob a análise fria dos números.


Fonte dos dados: ANS (ANS Tab Net, consultado em 03/04/2018, 15h).

02 abril 2018

Racionalismo cartesiano e operadoras de planos de saúde

thinker-1027594_1920Há uma certa unanimidade nos discursos dos atores da saúde suplementar sobre as dificuldades existentes. Também é ponto de consenso o conjunto de ações para superar a crise permanente. Mas do discurso à ação há um enorme precipício.

Operadoras de planos de saúde (OPS) dizem apostar em redução da sinistralidade e dos custos administrativos. E o que fazem a respeito?

O que sempre fizeram!

Exemplo singelo de desperdício

Na diminuição da sinistralidade, por exemplo, apostam em critérios técnicos e administrativos para emitir guia de autorização para realização de procedimentos.

Um desses critérios é a apresentação de justificativa para autorizar certos procedimentos. E há quem se gabe: – Sem justificativa, não autorizo!

Este é um daqueles muitos casos em que o racionalismo cartesiano deveria ser aplicado, perquirindo o custo desse controle e cotejando-o ao benefício obtido. Não é – ou não deveria ser - surpresa se resultado não o que esperam as OPS.

O tempo do analista da regulação é um item do custo (direto, neste caso). A satisfação do beneficiário é outro item (indireto). E o benefício pode ser analisado pela quantidade de negativas efetivadas para aquele item em particular, devido à inadequação da justificativa apresentada.

Memória de cálculo do exemplo

Desdobrando o custo, calcula-se o tempo médio mensal dedicado à análise. Se a análise demandar dois minutos, por exemplo, e a quantidade mensal totalizar 1.000 pedidos, teremos 2.000 minutos de tempo mensal. Em horas, pouco mais de 30h mensais de análise. Ou quase quatro dias de trabalho de um funcionário.

Custo

A negativa de atendimento importará em economia igual à “quantidade negada” x  “custo do procedimento”.

Benefício

Para que a medida se justifique, a economia deve ser maior que o custo. E há ainda a provável insatisfação do beneficiário, que pode gerar uma reclamação na ANS, com todas as consequências conhecidas.

Em análise profunda em operadoras, pode-se localizar diversos processos internos que não satisfazem à condição da melhor relação entre custo e benefício.

Ao contrário, encontram-se processos realizados por crenças infundadas de que atendem às melhores práticas. Gestores mostram-se inseguros em abandonar velhas práticas e céticos em relação à avaliação financeira como vetor de decisão.

No exemplo, emissão de guias de autorização. Mas temos exemplos fortíssimos de processos ineficientes e de alto custo também em contas médicas, faturamento, atendimento ao cliente, etc.

Conclusão

A dúvida sistemática cartesiana deveria estar mais presente no dia a dia das OPS, com impactos positivos diretos nas despesas administrativas e assistenciais.

A questão é que o ambiente de mudanças é permanente e essas mudanças são demandadas pelo ambiente em que vivemos. Parece suficiente o bastante, e é o motivo pelo qual gestores não querem ser mais fontes de mudanças. Nem se forem para melhor.