17 abril 2010

Sistemas de gestão e informação – erros na aquisição e implantação

http://www.istockphoto.com/file_thumbview_approve/11124184/2/istockphoto_11124184-red-boxing-gloves-with-business-persons.jpg Algumas empresas, dentre hospitais e operadoras de planos de saúde, têm uma dificuldade permanente com seus sistemas de gestão e informação. Embora certa dificuldade seja sempre a regra, algumas têm enormes dificuldades, e a tendência é culpar o fornecedor do produto.

Fornecedores, sabemos, têm realmente suas dificuldades. Mas nem todos os problemas de seus clientes podem ser debitados a eles. Muitas vezes o problema é o próprio cliente, embora isto seja um tabu. A maior parte dos erros está ligada ao poder que o comprador (cliente) tem sobre o fornecedor. Exigências inexequíveis são feitas pelo comprador, e o vendedor aceita para não perder o negócio, ou acreditando que a razão falará mais alto na ocorrência do problema. O que, é óbvio,m não acontece.

Erros na avaliação da Aderência

Hospitais e operadoras de planos de saúde são operações bem complexas, envolvendo mais que a automação de processos simples. As inúmeras regras de negócios exigem a elaboração de complexos códigos de programação, os quais dependerão de parâmetros ou informações situacionais para suportar a decisão. Pois bem, essa complexidade toda não pode se esgotar na apresentação burocrática de algumas horas (ou mesmo dias), em que o fornecedor apresenta seus processos, para que o cliente os coteje com os seus próprios. Embora a análise de aderência seja uma atividade importante, ela tem o início numa data certa, mas só se encerrará após a estabilização do produto. Acreditar que alguns dias darão certeza de aderência (ou falta de) do produto aos processos locais é uma grande ilusão.

Processos internos não mapeados ou inexistentes

A adoção de ferramentas automatizadas de gestão só faz sentido se a empresa conhecer seus processos de trabalho e reconhecê-los como adequados às suas necessidades. É comum que empresas tentem fazer seleção e implantação de produtos de gestão ao mesmo tempo em que definem seus processos, até pela oportunidade de benchmarking. O resultado é dissociação entre o que se faz, o que se pretende fazer, e o que se pretende que o software faça. A máxima no mercado é que o “produto deve se adequar aos processos da empresa, não o inverso”. Para que isso aconteça, é preciso que os processos preexistam à implantação do software.

Outra consequência indesejada é a fugacidade das decisões. Como há discussões em andamento sobre a melhor forma de executar uma tarefa ou um processo, as decisões vão e vem, conforme a força dos últimos argumentos. Tudo isso consome tempo e energia desnecessariamente.

Prazo de Parametrização irreal

O fornecedor não conhece profundamente o processo do cliente (quando ele existe), O cliente não conhece o produto (às vezes não conhece nem o próprio processo). Como se espera, então, que decisões sobre parametrizações complexas aconteçam em prazos exíguos? A pressão por essas decisões acaba resultando em erros, que precisam de correção. Novamente, tempo e energia desnecessariamente consumidos.

O dia-a-dia não para

A equipe do projeto tem de se dedicar para que a implantação tenha sucesso, e exige-se dela esse compromisso. Ao mesmo tempo, a empresa continua operando normalmente, com seus problemas a exigirem soluções, que muitas vezes dependem da alguém da equipe de projeto. Em última instância, é preciso resolver satisfatoriamente os problemas do dia-a-dia, nem se discute isso. Mas os impactos no projeto devem ser considerados, pois nenhuma empresa está isenta deste risco. As pessoas terão de contar com tempo disponível para seus despachos corriqueiros, além da solução de emergências. Como normalmente os prazos de implantação são rígidos (ao menos para os fornecedores), este cobra da equipe do projeto dedicação integral, enquanto esta se vê pressionada pela alta gerência administração a resolver os problemas. Talvez a solução fosse a clonagem da equipe de projeto…

Prazos irreais

Como se fosse um planejamento financeiro, as empresas projetam as datas das etapas em função de suas necessidades e dificuldades. Isto resulta em pressão sobre o fornecedor e equipe de projeto. Às vezes, eles se unem para conseguir dilação dos prazos. Outras vezes, eles se digladiam para saber quem vai levar a culpa. Os prazos dos projetos, por envolverem muitas variáveis e muitas descobertas, precisam ser orgânicos, com replanejamentos constantes. A alta direção do projeto (espera-se que haja uma) deve, à vista de eventos que envolvam mudanças substanciais de prazo, estabelecer prioridades e decidir sobre os caminhos a seguir de acordo com as circunstâncias. Apostar nos prazos iniciais do projeto é um erro grave se não houver essa organicidade em relação a prazos e condições.

Preparação para a mudança

A implantação de novos produtos normalmente é encarada como ameaça pelos funcionários de execução. Como automação tem a ver com redução de custos, a insegurança se instala na empresa. Não tratar claramente dessa insegurança é outro erro grave, pois o movimento contrário à implantação, mesmo que seja tácito (o cruzar de braços mental, como assinalou Ruy Mattos em “Democracia Organizacional”) é uma grande ameaça à sua efetivação.

Nem todos, entretanto, sabem como fazer isso. O cliente espera que o fornecedor se encarregue disso, e o fornecedor acha que é responsabilidade do cliente. De fato, é ameaça a ambos a falta dessa preparação.

O poder do usuário chave

O fornecedor é um elemento novo na empresa, na maioria dos casos. Seu vendedor disse que foi necessário para vender, é o que pensam os gestores do cliente. Então, em casos de conflitos de prazos ou decisões no projeto, o usuário chave detém o poder. Ele poder dirigir a discussão para os melhores caminhos, ou pode comprometer todo o projeto, seja por falta de visão, seja por medida de autoproteção. E, nos casos em que ele próprio se sente ameaçado, já se pode imaginar que ele fique sempre na defensiva. A direção do projeto deve agir no sentido de retirar das avaliações feitas pelo fornecedor e pelo usuário chave todos os componentes emocionais, trazendo a critérios objetivos suas avaliações.

Ademais, ao analisar conflitos entre processos de execução locais e do produto, os gestores têm a propensão de apoiar a decisão do usuário chave, mesmo sem evidências de que o caminho é o melhor. Na maioria das vezes, é somente resistência à mudança. Mas a decisão de manter o processo local pode levar a customizações que encarecem o projeto e tendem a aumentar os prazos para sua conclusão. E a culpa será debitada à aderência mal-feita, embora seja mesmo reflexo de falta de documentação de processos.

O fornecedor é visto somente sob a ótica financeira

Como mudam os requisitos e os processos, há sempre a tendência de aumento de custos, sejam de consultoria, seja de customização. O cliente tende, então, a reclamar que o “fornecedor cobra tudo”. Sendo uma empresa, deveria ser diferente? Acaso o hospital ou a operadora também não primariam por isso, com seus próprios clientes? Quanto desse aumento de custo é decorrente da idiossincrasia dos membros da equipe de projeto (operacional ou estratégica)?

Há critérios e formas de evitar a cobrança abusiva por parte do fornecedor, e isso pode ser resolvido com uma boa negociação. Mas o fato é que atividades extras, sejam novidades ou retrabalho por redefinições, normalmente devem mesmo ser cobrados.

 

Há mais erros, técnicos ou não, comuns a essas atividades. Mas a proposta é a reflexão de clientes e fornecedores, na busca pelos motivos que levam o mercado a ter tanto preconceito em relação a projetos como esses. E, se trato aqui desse assunto, é porque ele atinge diretamente a capacidade das empresas em gerar dados e informações que sejam úteis na atenção à saúde dos pacientes/beneficiários. O objetivo é atender bem o paciente, e evitar que o beneficiário se torne um.

14 abril 2010

O sistema de saúde no Brasil

http://www.istockphoto.com/file_thumbview_approve/3344413/2/istockphoto_3344413-put-your-hands-together.jpg Tão logo foi anunciada a vitória de Obama na sua reforma da saúde nos Estados Unidos, Mirian Leitão publicava um artigo defendendo a necessidade de reforma também no Brasil. A colunista foi assertiva: precisamos de uma reforma, muito maior que aquela de Obama.

Inicialmente porque parece brincadeira de mau-gosto a proposição do presidente Lula a Obama, a de copiar o SUS. O SUS ainda é uma utopia, é um conceito a ser perseguido, quase um “zero absoluto” na temperatura kelvin. Não existe, como o atestam milhares de brasileiros à espera de atendimento pelos hospitais não equipados e sem profissionais. Na prática, o cidadão tem o direito de esperar o atendimento, embora nem sempre tenha o de ser atendido.

Dizer que há cobertura de saúde é, no mínimo, bravata oratória. Nem o mais básico dos requisitos para gestão de saúde, que é o cadastro unívoco do cidadão (que seria o Cartão SUS) o Brasil tem. E a identificação do paciente (sim, paciente, pois o atendimento é, basicamente, a pessoas doentes, sendo heróicas as ações de prevenção de fato) é fundamental para que o serviço seja eficiente.

E, fosse eficiente esse sistema oferecido como modelo, não haveria a adesão da população (quase um quarto) a planos de saúde privados. Pouco mais de quarenta milhões de pessoas têm cobertura suplementar, que na verdade nem suplementar. Não por coincidência, são aquelas pessoas que podem pagar os preços cobrados pelas operadoras, ou aqueles beneficiados pelos planos coletivos das empresas em que trabalham. Poderíamos conjeturar que a parcela mais rica da população, no seu anseio por distinguir-se e evitar filas de atendimento optasse por planos particulares. Mas a lógica não vale para empresas que contratam esses planos de saúde, pois a ordem de sempre nas empresas é cortar custos. Se o custo com planos de saúde persiste, é porque as empresas reconhecem que deixar o funcionário à mercê da saúde pública não é boa política.

Prosseguindo na comparação numérica, constatamos que a parcela de americanos sem cobertura é pouca coisa menor que a dos brasileiros cobertos. Coisa de trinta e dois milhões a quarenta e dois milhões. Ou seja, nos Estados Unidos a maioria da população tem um plano privado de saúde, contra a maioria brasileira que conta somente com a saúde pública. E temos (plural majestático, claro) ainda a soberba de propor nosso modelo aos americanos?

É de se lembrar que nos Estados Unidos a oferta pública de saúde atinge a poucos (idosos e pessoas com real necessidade financeira), sendo estes grande maioria na conta dos hoje excluídos. A proposta de Obama obriga um modelo de financiamento direto, sem vírgulas e senões, das empresas e dos beneficiários. No Brasil, nossos impostos deveriam, segundo a Constituição Cidadã (conforme Ulysses Guimarães), garantir o atendimento universal. Como há “leis que não pegam, feito vacina”, a população correu para os planos privados, pagando as nada baratas mensalidades deles, concorrentemente aos impostos. Era de se esperar que houvesse benefícios globais, mas o resultado não apóia esta tese. E, como se não bastasse, o plano de saúde ainda tem de ressarcir o SUS no caso de um seu beneficiário ser atendido pela rede pública. Qualquer negociador iniciante chegaria à conclusão de que o cidadão, este sim, deveria receber seu quinhão de impostos de volta quando pagasse pelo plano de saúde, mas a lógica do ressarcimento passa ao largo disso.

A CPMF, que deveria ser essa grande fonte financiadora, não atingiu seus objetivos. Ao menos não resultou em resultados positivos visíveis para o sistema de saúde, assim como sua eliminação não é o causador do caos que por aí se vê. A persistência dos problemas do SUS, e a gradual e rápida deterioração das condições de atendimentos dos planos de saúde e sua rede credenciada nos levam a concluir que Mirian Leitão tem muita razão. Mas, como o sapo da lenda urbana, ainda estamos na zona de conforto, falta muito ainda para nos incomodarmos.