22 fevereiro 2018

Qual é o foco das negociações das operadoras com a rede credenciada?

communication-1297544_1280Quando Operadoras de Planos de Saúde (OPS) negociam contratos com Prestadores de Serviços Médico-Hospitalares (PSMH), normalmente argumentam a quantidade potencial de atendimentos a serem gerados (ou a massa da localidade/região), apresentando a ideia de volume de atendimentos.

O PSMH, por sua vez, deseja ver considerados no valor seus esforços para manter áreas bonitas e limpas, além de adequadas ao volume que esperam. Quanto maior a qualidade percebida, maior é o valor esperado pelo uso de suas instalação.

Os honorários também têm a lógica de volume/notoriedade do profissional ou da instituição, sendo que alguns profissionais sequer atendem em nome de OPS.

Cada lado deseja a melhor negociação sob seu único ponto de vista, representando os dois extremos: menor valor possível para a OPS pagar, maior volume possível para o PSMH receber.

Olhando-se para esse dois polos, uma figura faz falta: o beneficiário/paciente. É muito raro que a negociação considere a resolutividade do tratamento dado ao paciente. Aliás, o processo de fee for service na saúde suplementar traduz service como atendimento, não como tratamento.

Em análise mais detalhada, faz mesmo lógica que seja assim para OPS e PSMH. O paciente escolhe seus médicos, que escolhem os hospitais onde realizam procedimentos. Findo aquele atendimento, seja ambulatorial, seja em regime de internação, nem mesmo o beneficiário se mantém fiel aos acompanhamentos recomendados. Portanto, adesão ao tratamento é manifestação volitiva ativa do paciente. Se este decidir não adotar o tratamento, nada o impede. (Entendendo tratamento como uma séria de ações médicas, acompanhados ou não de exames, até que se obtenha um desfecho).

Do lado do beneficiário, que é o polo ativo desta relação, embora seja o mais invisível, há que se entender a dificuldade de aceitação do processo. Recentemente, um paciente chegou com meia hora de antecedência a uma consulta agendada com muita antecedência, e saiu da clínica após três horas de espera. Falou com o médico por menos de 5 minutos. Essa situação leva a desperdício de tempo que desmotiva o beneficiário a ir para as consultas, principalmente quando já se sente melhor (não necessariamente bem).

O cenário, então, é que a OPS considera caro o atendimento. Encara como despesa, e é assim que o contabiliza. Por isso, paga o mínimo possível. O PSMH aceita essa situação. E atende, considerando a percepção de valor (financeiro, neste caso) do seu atendimento.

Qual seria a realidade se o PSMH se esforçasse, de forma genuína, a envolver o paciente no tratamento, seguindo conselhos e fazendo exames e consultas de controle?

Não seria muito diferente da atual.

Os pagamentos são após o procedimento, no menor tempo acordado entre as partes. Caso a resolutividade tivesse de ser aferida, em que tempo poderia sê-lo? Quanto tempo é suficiente para dizer se uma determinada ação (ou procedimento) foi bem sucedida? Como valorar esse “sucesso”?

Apesar das dificuldades, esse acompanhamento após o procedimento é essencial para o beneficiário manter sua saúde controlada. Mas a Saúde Suplementar não está nem próxima a privilegiar aquele que deveria ser o centro das ações da ANS, das OPS e dos PSMH.

Ainda assim, vão todos bem, obrigado. Não se sabe do beneficiário, mas os demais estão, sim, muito bem.

07 fevereiro 2018

A teleologia da lei 9656 (marco dos planos de saúde)

arrow-2889040_640O cenário antes da lei 9656 era caótico. Ao menos para o consumidor. Contratos com cláusulas leoninas, limitações de cobertura, limites de dias de internação e UTI, etc. eram problemas comuns que os contratantes dos então chamados convênios médicos enfrentavam.

A lei 9656 veio para estabelecer ordem no caos. Definiu regras e procedimentos, padronizou coberturas, estabeleceu parâmetros de atuação. Sua finalidade, observadas suas características e seu alcance, foi proteger o consumidor, agora chamado de beneficiário, de abusos das operadoras de planos de saúde. Afinal, o consumidor, parte hipossuficiente nessa relação, não tinha condições de reverter a situação.

É de se concluir, então, que o objetivo da lei foi garantir o acesso do beneficiário à assistência médica, equilibrando a relação entre contratante e contratado, mitigando possibilidades de abusos dos últimos.

Depois de 20 anos, a lei está defasada. Não protege mais o consumidor, ao contrário. A lei fez com que, ao longo do tempo, operadoras deixassem de celebrar contratos com pessoas físicas, por causa do engessamento das regras de reajuste. A lei que deveria facilitar e garantir acesso acabou por restringi-lo.

Parece que a Lei 9656 adquiriu um fim em si mesma, deslocando o foco do beneficiário. Não é por outro motivo que a ANS, instada a se manifestar sobre planos mais acessíveis, o fez somente dentro do que a lei já permite.

No tripé da Teoria Tridimensional do Direito (de Miguel Reale) valor fato e norma interagem para que haja equilíbrio entre a percepção da sociedade e sua valoração sejam positivados de forma a evoluir (ou mudar) de forma constante. Depois de 20 anos, a lei 9656 ainda não teve essa avaliação. Algumas ações no poder legislativo, a soldo das operadoras, buscam somente o relaxamento de algumas regras.

Está na hora da lei evoluir. O cidadão comum já sabe o custo da saúde suplementar que aí está. Está precisando de novidades. Aliás, historicamente, com pequenas variações, a população coberta está sempre em torno de 25% da população. Mais estagnado que isso não poderia estar.