23 setembro 2010

ANS e a sociedade no processo regulatório

istockphoto_9749797-teamwork[1] Está em curso a Consulta Pública 33, conduzida pela ANS, e que tem por objetivo “criar regras para esses importantes mecanismos de controle e participação social”. Esses, no caso, são temas como “a cobertura mínima obrigatória para os planos de saúde (Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde), a criação de novas regras para a portabilidade de carências e a mudança de metodologia de reajuste para planos individuais”.

A saúde suplementar, que já enfrenta problemas parecidos aos do SUS, e é um dos maiores motivos de procura dos órgãos de defesa do consumidor, precisa mesmo de maior abertura para participação, tanto por parte da sociedade como por parte de órgãos e profissionais da área.

Dado o paradigma de saúde no Brasil, em que o consumidor (beneficiário) só busca o serviço em situações de necessidade, este pode deparar-se com problemas de atendimento em momentos de grande fragilidade, o que causa a insegurança sempre bem refletida pelos órgãos de defesa do consumidor e pelas decisões judiciais.

A abertura da ANS é oportuna e bem-vinda. Como digo sempre, é a agência reguladora mais atuante do país, e a presença de profissionais de mercado vem produzindo resultados surpreendentes. Mas (sempre existe um “mas”) o mercado é muito grande e complexo. Os problemas ainda são problemas estruturais, e vêm de longa data. A resolução desses problemas não será em curto e médio prazos, e passa, necessariamente, pela mudança de práticas consagradas de mercado.

Também a reestruturação da prestação dos serviços, com equalização no tratamento dos prestadores (que têm tabelas negociadas com as operadoras com base na lei da selva, a lei do mais forte, o que causa um desequilíbrio indesejado). Essa equalização precisa prever, inclusive, a discussão das tabelas e políticas de pagamento, porque é danosa para o beneficiário essa prática de pagamento pela simples execução do procedimento. Com relação às tabelas, todos já sabem qual é a regra de mercado: o pagamento do procedimento segundo a tabela própria do profissional e/ou estabelecimento garante atendimento imediato. Pelo plano de saúde, a disponibilidade de vagas desvanece.

Assim, ao mesmo tempo em que a medida representa uma bela oportunidade de participação, temo que a parcela mais interessada se abstenha: a população. Por outro lado, os profissionais e entidades representativas vão engajar-se, com certeza, no processo de aprimoramento do setor, o que só representa benefícios.

A ver.

20 setembro 2010

Prevenção de doenças: o aspecto cultural

1201945_stop_sign[1] Quando viajamos de automóvel, estamos sujeitos a sermos parados por um guarda que, em função das condições de rodagem de nosso automóvel, pode tomar medidas punitivas, como multa ou apreensão do veículo. E, ainda, uma bronca. Baseado em itens obrigatórios, normalmente de segurança ou estado geral do veículo, essa fiscalização, prevista em lei, é aceita pela maioria dos cidadãos. Tudo em nome da segurança do trânsito.

Em relação a nós mesmos, entretanto, existe uma noção exacerbada da liberdade individual. Temos, ou pelo acreditamos ter, a liberdade de nos suicidar, exclusivamente de forma lenta. A noção do suicídio com um tiro a cabeça é combatida veementemente, mas a ingestão incorreta de alimentos não. A diferença é uma só: a velocidade do suicídio.

Os obesos sempre sem refugiam nos “padrões de beleza” dominantes. E, se alguém tem alguma restrição contra os sobre-pesados, há sempre o preconceito. mas ninguém tem o direito de interferir em suas vidas e alertá-los contra os males dessa condição. Quando alguém tem e manifesta esse direito, a má vontade do receptor é evidente.

Ir ao médico por sentir algum mal, em que pese o estado pré-infernal de nossa saúde suplementar, é sempre uma mostra de fraqueza.

- Estou bem.

- Já passa.

- Amanhã eu vou.

- Para quê? Receber notícia ruim?

São os comportamentos decorrentes de uma cultura em que a própria beleza pode advir de doenças, como no caso das anoréxicas e bulímicas. Ficar doente para ficar bonito, interessante. Ficar saudável para se manter vivo, uma utopia, ora que besteira.

O fato é que a sociedade, de uma forma geral, não está ainda preocupada com o fato o bastante para gerar mudanças estruturais na abordagem da saúde suplementar e dos indivíduos a elas ligados. A prevenção, desde a mais tenra idade, deveria ser um dos aspectos mais importantes de nossas vidas. Enquanto crianças tomam refrigerantes aos montes, poucos pais dão o exemplo da boa alimentação e bons hábitos, esse é o problema. Os exemplos que recebemos são de uma geração quem tem contratos com empresas para tratar deles na doença, mas poucos têm políticas de se manter saudável.

Com o avançar da idade, todos sentem, com maior ou menor peso, a degradação das condições de saúde. Infelizmente, aumentam também as desculpas por não se cuidar. Ouvi uma pessoa dizer que comeu frituras a vida inteira, e ainda estava viva e bem. Obesa, diabética e hipertensa, mas vivendo na ilusão de estar bem.

Esse suicídio, lento e sistemático, resultado de aspectos culturais, é ofensivo à pessoa, que enfrenta uma degradação mais acelerada do que o normal em sua qualidade de vida, precisa ser detida. A cultura da saúde, com bons hábitos de vida, atividades físicas, alimentação consciente e saudável e acompanhamento sistemático das condições de saúde precisa constitui o novo paradigma. Como é matéria de adesão, o indivíduo, e somente ele, tem condições de decidir sobre os rumos da própria saúde, e da própria vida.

Esse paradigma pode ter a capacidade de concretizar a famosa frase de Fernando Sabino sobre a vida:

"Viver é um belo vício, mas faz tanto mal à saúde quanto fumar.Viver também é morrer um pouco.Faz cair os cabelos e os dentes. Provoca rugas na pele, flacidez nos músculos e artrite nos ossos.Enfraquece a cabeça, combale o organismo e ataca o coração. É o próprio suicídio dos que não têm pressa"

14 setembro 2010

Ainda indicadores

istockphoto_11425847-business-concept[1] Desde que Deming implementou sua política no Japão de controle estatístico de processos e viu aquela nação sair da condição de fabricante de defeitos para uma grande potência movida a qualidade, o mundo todo vem adotando políticas de qualidade que incluem referências, necessariamente.

É o tempo médio de atendimento, em centrais de relacionamento, é o índice de peças defeituosas, número de chamadas não completadas, e por aí vai. O Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, transforma condições de vida em métrica para aferir o grau de evolução de cidades, estados, países, naqueles indicadores que, segundo a convenção, fazem a diferença.

No nossa mundo de saúde suplementar, ainda faltam indicadores, como cansativa e enfadonhamente tenho afirmado por estas mal digitadas.

A ANS tem se esforçado, com notável dedicação, a promover medições que indiquem a ameaça que as operadoras de planos de saúde representam aos seus clientes (beneficiários). Logo em seguida à edição da lei (e mesmo antes), os principais problemas eram causados por fragilidade financeira, causada pelo desequilíbrio das contas, o que a ANS acompanha de perto pelas informações obrigatórias, sendo inclusive critério de intervenção nas que demonstrarem falta de solidez.

Reconheçamos que a ANS tem agido bem nesse sentido (o de identificar empresas insolventes. A adequação da solução é outra discussão). O que falta enfrentar agora, pelo clamor das entidades de defesa do consumidor, notícias da mídia e realidade do mercado, são os problemas decorrentes da demora no atendimento. Repetindo o já proclamado, as demoras têm aproximado o atendimento da Saúde Suplementar, em muitas regiões, às piores tradições do SUS, e há procrastinação na resolução dos problemas.

Saber quantos prestadores de serviço existem não basta. É preciso saber qual é o atendimento que eles garantem às operadoras (cada uma, e não no total). É preciso acompanhar o tempo de espera pelo atendimento, desde a solicitação (procura pelo beneficiário) e a efetiva prestação do serviço. Não basta a operadora ter mil médicos por beneficiário: é preciso que eles possam atendê-los em no máximo um determinado tempo, sem o que a oferta não passa de propaganda enganosa.

Propaganda enganosa? Da operadora? Do prestador? Do médico? De todos e de ninguém. O Consumidor paga uma conta que não lhe pertence. O médico não atende o plano de saúde mas atende ao paciente que paga na tabela do atendimento “particular”. Mas ele está lá, disponível. Consulta só daqui a sessenta dias, mas ele as marca.

Idem para hospitais. Qual é o tempo ideal para se aguardar por uma cirurgia? A quantidade de leitos está adequada à demanda no prazo desejado? Faltam leitos? De que especialidade? Qual é o tempo médio de espera? E o de internação? E…

Enfim, tudo se baseia em parâmetros previamente definidos. Inicialmente, toma-se como padrão o próprio histórico de atendimento, Com o passado do tempo, passa-se a estabelecer metas de melhoria, baseados em números reais, e expectativas plausíveis. Mas tudo se inicia pela adoção dos indicadores, sem o que nada pode acontecer.

Gosto muito da abordagem Seis Sigma de qualidade. Pois trata das maiores variações estatísticas, pinçando justamente aquelas variações que se destacam por serem as maiores. Assim deveriam ser os indicadores da saúde suplementar: com base nos problemas conhecidos, a eleição daqueles que precisam ser resolvidos, e a adoção imediata de medidas com mensuração de evolução.

Imagino que num futuro próximo estejamos discutindo, por patologia, o tempo médio ideal de cura. Mas, se nem sabemos quanto tempo esperamos por atendimento, como esperar que saibamos em quanto tempo podemos ter esperança de sermos curados?

Com a palavra, o mercado. E a ANS.