09 novembro 2022

Saúde Suplementar 2.0

A ruptura causada pela Lei 9.656 e pelas normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar


Em 1.998 houve uma alteração brusca no ambiente legal da saúde suplementar, com a promulgação da Lei 9.656. Apesar de estabelecer grandes alterações no modo de operar dos então agentes dos planos de saúde, o prazo para adequações foi de somente 90 dias.

Aquelas que viriam a ser chamadas de Operadoras de Planos de Saúde tiveram de ajustar seus processos, contratos, controles e cobranças às novas exigências, o que inaugurou um período de longos e infindáveis ajustes visando tanto atender a lei como manter os índices de lucratividade e rentabilidade existentes.

Esses ajustes incluíram tanto os processos de trabalho como a descoberta de técnicas que seriam utilizadas para controlar o uso da assistência médica de forma correta. Vale dizer, formas de regulação. Estas atividades criaram um dos setores com as regras de negócio mais complexas do mercado, já que as variáveis envolvidas são muitas e complexas.

Enxugamento do setor


As regras impostas às operadoras de planos de saúde também formaram uma barreira enorme para a entrada de novas empresas, inicialmente desconsiderada por muitos empreendedores. Até que o tempo se apresentou mostrando aos aventureiros que o negócio da saúde suplementar não é para amadores. Empresas que inicialmente encararam o desafio começaram a fechar, temendo as normais mais restritivas ou porque o horizonte de ganhos era mais difícil do que parecera a princípio.

Ademais, a ação da ANS com relação às empresas que não apresentam condições de se manter no mercado continua fazendo com que o setor continue encolhendo (sob o ponto de vista de quantidade de operadoras).  

Fusões e aquisições

 
Num outro movimento, que visa buscar ganhos de escala, houve grandes ações de fusões e aquisições entre as operadoras existentes ou por parte de quem queria entrar no setor. Essas ações continuam e, junto aos ganhos de escala, buscam também economias de escala, já que ambas as coisas estão entrelaçadas.

Importante salientar que desde a promulgação da lei, houve ganhos de produtividade proporcionados pela utilização da informática no dia-a-dia das operadoras, em especial com adoção de TIC (tecnologias de informação e comunicação), amplamente utilizadas para agilizar processos internos, realizar controles impossíveis de realização manual, e estabelecer comunicação entre os atores da saúde suplementar.

Desafios do setor hoje


Os custos médico-assistenciais continuam sua trajetória de alta. A adoção de novas tecnologias é inevitável, assim como o é o aumento de custos inerentes.

Os custos administrativos, embora não apresentem uniformemente tendência de alta, são relevantes já que os custos assistenciais estão consumindo partes cada vez maiores de receitas. 

Um terceiro fator da equação dos desafios é o envelhecimento da população, já que a tendência é o aumento da demanda por serviços médico-hospitalares, consumindo também cada vez maiores parcelas da receita, já que essa demanda aumenta a taxa de sinistralidade, que é a base relacional da saúde financeira da operadora. Devemos lembrar que a saúde suplementar é baseada no princípio da mutualidade, em que aqueles que demandam pouco (jovens e população saudável) equilibram as despesas dos que demandam muito (população mais idosa e população com doentes crônicos ou descompensados).

De quem é o problema


Engana-se quem acha que esses problemas são exclusivamente das operadoras de planos de saúde. O problema é de todos os atores da saúde no Brasil. Num microcosmo, quando uma operadora é liquidada, todos sofrem: beneficiários/pacientes, prestadores (médicos, clínicas, hospitais, laboratórios), os contratantes empresariais, sem exceção, pagam algum preço em decorrência do problema.

Já temos, no Brasil, um exemplo perverso disso: a previdência social. Achando que é um problema de governo, esquecemos que é um problema de Estado que atinge a toda a população, a ponto de ameaçar inviabilizar a aposentadoria de gerações futuras.

Imaginemos, então, na saúde suplementar, que os fatores elencados causem um aumento expressivo nas mensalidade dos contratos em vigor e de novos contratos. O plano de saúde poderia, rapidamente, se tornar inviável para a grande maioria da população. Ah, sim, mas já é, não é? Somente 25% da população está coberta por contrato de assistência médica. O SUS precisa se encarregar da população restante. Qual será o cenário se essa parcela demandante do SUS aumentar?

Antes da primeira eleição de Barack Obama, a história nos conta como ele e sua então rival Hillary Clinton tiveram que dar atenção aos altos custos da saúde nas empresas americanas, cuja lógica de financiamento era diferente da brasileira. 

Portanto, o problema é de todos, sem exceção.

Necessidade urgente: a evolução da inteligência aplicada


Disruptura tecnológica


Quando se fala em disruptura, o mercado tem se referido às tecnologias em TICs. Ou, ao menos, parte do mercado interpreta dessa forma. E é verdade. Do já longínquo ano de 1998, a tecnologia se aprimorou enormemente. Sistemas de gestão foram aperfeiçoados, novos componentes foram agregados, as regras de negócio explodiram em quantidade e complexidade, e softwares foram incrementados.

Mas já há discussões sobre quais seriam as melhores formas de utilizar o software. Sistemas com regras de negócio estáticas, universais, inflexíveis ainda têm lugar? Há como explorar a tecnologia para ganhos reais direcionados à saúde? Valor dizer: direcionados aos custos assistenciais?

Disruptura de processos


Se a tecnologia de informática deve ser disruptiva, também devem ser os processos adotados.

Afinal, há processos que pouco ou nada mudaram nesses mais de 20 anos da saúde suplementar regulamentada. As contas médicas ainda são auditadas quase da mesma forma; autorizações ainda exigem 7 dias úteis (um exemplo) para análise; as contas médicas são pagas em 30 dias; a operadora é uma intermediária entre o beneficiário e seus procedimentos médicos. 

Por isso, os processos devem ser disruptivos o suficiente para fazer frente à nova necessidade de diminuição de custos administrativos. Uma inteligência empresarial aplicada, valendo-se da tecnologia e de profundo conhecimento da saúde suplementar podem ser um grande diferencial no desafio que se apresenta.

Engajamento do paciente/beneficiário


Aquele que tem plano de saúde foi enormemente beneficiado pela Lei 9.656 (e, óbvio, seus desdobramentos e normas decorrentes). Mas não o tornou parceiro da operadora O relacionamento entre eles é comercial. O beneficiário paga, recebe assistência médica. Não paga, não receb. Quando tem um procedimento negado, o beneficiário reclama que "pagou a vida toda, mas quando precisou...".

O médico assistente do beneficiário não o lembra de que a operadora é seu elo de ligação. E nem sempre é mesmo. Ambos (médico e operadora) são conectados por um contrato, que pode ser cancelado a qualquer hora, e amanhã o médico que o atendeu hoje pode não estar mais disponível. Mas o beneficiário confia mesmo é no médico, algumas vezes até cegamente. A ponto de pagar procedimentos diretamente, se acreditar que isso o beneficiará.

Como o grande mote atual das operadoras é a prevenção (da doença, do risco ou do agravamento), essa falta de conexão é uma grande barreira. A falta de parceria se mostra em sua face mais grave: o beneficiário  não se engaja. 

Por isso, uma disruptura enorme seria o engajamento do beneficiário nas ações da sua própria saúde. Antes de se tornar um paciente, o beneficiário pode ser persuadido a investigar de forma precoce suas ameaças, a aderir a um plano de controle de suas condição atual, ou a aderia a um plano de tratamento. Um engajamento disruptivo, que concretizaria a migração da saúde suplementar dos aspectos curativos para os aspectos preventivos.

Disruptura: ampla, geral e irrestrita.

04 novembro 2022

Saúde Suplementar: dificuldades para operadoras


Segundo dados da Sala da Situação da ANS, no 2º Trimestre de 2022 a taxa de sinistralidade das operadoras de saúde médico-hospitalares no Brasil foi de 87,9%. Esse número é bem distante do número mágico imaginado pelas empresas do setor, de 75%, considerado nível ótimo para esse indicador.

É preciso lembrar que neste ano de 2022 houve o maior reajuste já concedido pela agência aos contratos de pessoas físicas:  15,5%.


A participação dos planos de pessoas físicas no total de contratos da saúde suplementar é de 18%. Os demais contratos, os coletivos empresariais e por adesão, têm índice resultante de negociação entre as partes, e normalmente são bem maiores do que os aplicados aos contratos individuais/familiares. Mas considerando essa referência já alta (reajuste de 2022), pode haver dificuldades nessa negociação, embora tenha havido, de fato, aumento das despesas assistenciais.

Uma evidência das dificuldades por que passam as operadoras pode ser observado nas resoluções operacionais emitidas pela ANS em 01/11/2022. Foram sete, sendo que somente uma delas é, em tese, uma boa notícia, pois encerra um regime de direção técnica. As demais ou instauram regimes de direção especiais, ou decorrem da extinção futura da operadora (inclusive a beneficiada pelo fim do regime de direção técnica...).

Com esse percentual de sinistralidade, somente resta à operadora o gerenciamento devido seus custos, sejam assistenciais, sejam administrativos.

Os custos administrativos têm a característica de serem custos cuja origem é de difícil percepção. Aliado à essa dificuldade está o fato de que as empresas não têm o hábito de exercer a dúvida sistemática cartesiana em seus processos internos: 
  • Estamos fazendo da melhor maneira? 
  • Há um jeito melhor de fazer o que fazemos? 
  • Podemos fazer com menor custo? 
  • Quanto custa o que fazemos? 
  • Por que fazemos?
Já presenciamos casos de redução dos custos administrativos em 50%, em uma cooperativa médica de médio porte. Somente pela análise isenta e objetiva baseada nas reflexões listadas.

Já os custos assistenciais precisam de enfoque mais criativo. O grande desafio é engajar o beneficiário do plano de saúde quanto ele ainda está saudável. Rastrear possíveis doenças crônicas para identificá-la ainda nos seus estágios iniciais e promover o tratamento o mais cedo possível. A barreira a essa abordagem é a adesão do beneficiário, que nem sempre tem é persuadido de forma a tomar as rédeas da própria saúde. Além disso, há o controle de doenças já instaladas. Nem sempre há uma ação assertiva relacionado a esse tema, e o agravamento da condição implica no aumento dos custos de tratamentos.

Neste ponto, há que se ressaltar a atuação burocrática das operadoras de planos de saúde. Normalmente o beneficiário lhe é invisível, e se destaca somente quando suas despesas o evidenciam como um high user, aquele que gera muitos gastos. Até então, a operadora se limita e emitir os boletos e analisar as demandas (pedidos de autorização), sem ações positivas que de fato engajem o beneficiário em ações preventivos e de melhoria de qualidade de vida.

Se este indicador (taxa de sinistralidade) continuar subindo, é bem provável que presenciemos mais operadoras sendo liquidadas pela ANS. A consequência mais trágica disso, além de todos os empregos eliminados, é que o beneficiário passa por um período de grande pressão, já que ou passará compulsoriamente para uma operadora (no processo de alienação de carteira) ou precisará procurar, ele mesmo, uma operadora que seja adequada aos seus interesses (no caso da portabilidade especial).

Não há ganhadores nesse cenário.