21 julho 2015

Para onde vai a saúde

Nos contos de Pindorama, o SUS é o sistema ideal, o modelo de saúde que salvará o mundo dos custos e da ineficiência do sistema de assistência médica. Mas o rei está nu e poucos querem perceber isso.

Tal qual o Zero Kelvin, a temperatura absoluta, o modelo do SUS é inatingível. Não é uma utopia de todo, mas uma utopia brasileira. Com seu modelo de gestão (sim, há um modelo, mas no pior sentido possível), as verbas são incapazes de fazer frentes a todos os ágios e pedágios o caminho.

Cantam-se loas a sistemas enquanto muitos hospitais não têm equipamentos nem equipes de médicos e enfermeiros. Suas instalações, muito comumente, estão deterioradas e sem manutenção. A população enfrenta meses a fio nas filas de atendimento, sem consegui-lo, entretanto. Mas no sistema ideal, o SUS é modelo para exportação.

Se o SUS fosse o que se propaga pelo mundo afora, o Brasil não teria um quarto de sua população atendido pela saúde suplementar, a injustiçada prima rica.

O aporte direto de recursos dos beneficiários de fato comporta menos desvios. E de fato, há um conjunto regulatório que trata de colocar as coisas no prisma fornecedor-consumidor, mais concreto que a abordagem governo-contribuinte. Ainda assim, há problemas, e não são poucos.

Os hospitais existentes prestam serviços a muitas operadoras de planos de saúde. Assim como o médico. Como sua capacidade de produção é limitada, apresenta-se aí um gargalo no atendimento aos beneficiários pacientes. Mas nada tão grave que não possa ser resolvido com a opção do atendimento pelo “convênio particular”, em que  cidadão paga diretamente ao prestador – hospital ou médico – pelo atendimento. Capacidade de produção é assim mesmo, tem o bolso sensível.

As regras de atendimento impostas pela Agência Nacional de Saúde são o sonho de consumo… dos pacientes do SUS. Obrigatoriedade de atendimento, limites máximos de espera, etc.

O caso é que as operadoras não conseguem ultrapassar tantas barreiras somente por decorrência de normas e leis. O mercado é ingrato, e qualquer movimento afugenta as prestadores de serviço. Estes, aliás, não respondem às normas da ANS, e as regras valem somente para operadoras, que são responsáveis pelo seu cumprimento.

Assim, médicos têm um interesse. Que não é necessariamente igual ao dos hospitais a quem servem. E cujos interesses não são os da operadoras, salvo as redes próprias. Assim, com cada player puxando para um lado, tendo o beneficiário no centro, não parecem promissores os caminhos da saúde.

Mas ainda há esperanças, pois a crise não escolhe. Os problemas vão se tornando comuns a todos os players, e o capitalismo sempre prevalece. Para que todos se salvem com danos mínimos, o sistema vai achar sua saída para a crise, que vem se avolumando ao longo dos anos. Mas é bom que se ressalve: a capacidade de resolver os problemas da saúde suplementar é, de longe e inegavelmente, maior e mais rápida que a da saúde pública. Pois no primeiro caso, sabe de onde vem e para onde deve ir o dinheiro. Já no segundo caso…

Muita saúde e pouca saúde, os males do Brasil são.

14 julho 2015

ANS muda posicionamento sobre norma do parto cesáreo

Silhouette of pregnant woman royalty-free stock vector artNo Estadão de 14/07/2015: ANS ADMITE QUE NORMAS CONTRA CESÁREAS FOI FEITA DE FORMA “INTEMPESTIVA”

A novidade é a admissão da falha. A ANS, a agência mais ativa do Brasil, desta vez admitiu que errou, e talvez isso se deva à reação dos beneficiários, não das operadoras de planos de saúde.

Em outras ocasiões em que foi acusada da mesma coisa, a agência não foi tão magnânima. Podem ser listados casos e mais casos em que as operadoras disseram o mesmo de suas regras e decisões, mas somente desta vez a “humildade” venceu.

A norma das cesáreas foi apresentado com pouquíssimos dados para validá-la. Comparar o total de cesáreas de partos normais com outros países é importante, certamente, mas ao elencar os problemas decorrentes do parto cesáreo nenhum número foi apresentado para quantificar as complicações. Como se a primeira estatística falasse por si mesmo, não houve aprofundamentos na análise.

Também não houve quem desse voz, dentro da ANS, às mulheres que preferem o parto cesáreo. Se o número é tão grande, já se pode considerá-lo como parte da cultura nacional. E cultura não se muda por decreto.

Agora, enfrentando resistências de médicos credenciados, a realidade se apresentou de forma dura à agência, que teve de voltar atrás. Sua decisão de deixar espaço para a parturiente fazer a escolha é, certamente, a decisão correta.

Mecanismos de conscientização podem ser utilizados para mudar esse aspecto cultural. Devem ser dirigidos tanto às famílias como aos profissionais da saúde. Não são poucos os relatos de maus tratos àquelas que escolhem o parto normal.

Esperamos que essa atitude da agência se mantenha. De autoritarismos e posições arbitrárias, já bastam as da história recente.