Tão logo foi anunciada a vitória de Obama na sua reforma da saúde nos Estados Unidos, Mirian Leitão publicava um artigo defendendo a necessidade de reforma também no Brasil. A colunista foi assertiva: precisamos de uma reforma, muito maior que aquela de Obama.
Inicialmente porque parece brincadeira de mau-gosto a proposição do presidente Lula a Obama, a de copiar o SUS. O SUS ainda é uma utopia, é um conceito a ser perseguido, quase um “zero absoluto” na temperatura kelvin. Não existe, como o atestam milhares de brasileiros à espera de atendimento pelos hospitais não equipados e sem profissionais. Na prática, o cidadão tem o direito de esperar o atendimento, embora nem sempre tenha o de ser atendido.
Dizer que há cobertura de saúde é, no mínimo, bravata oratória. Nem o mais básico dos requisitos para gestão de saúde, que é o cadastro unívoco do cidadão (que seria o Cartão SUS) o Brasil tem. E a identificação do paciente (sim, paciente, pois o atendimento é, basicamente, a pessoas doentes, sendo heróicas as ações de prevenção de fato) é fundamental para que o serviço seja eficiente.
E, fosse eficiente esse sistema oferecido como modelo, não haveria a adesão da população (quase um quarto) a planos de saúde privados. Pouco mais de quarenta milhões de pessoas têm cobertura suplementar, que na verdade nem suplementar. Não por coincidência, são aquelas pessoas que podem pagar os preços cobrados pelas operadoras, ou aqueles beneficiados pelos planos coletivos das empresas em que trabalham. Poderíamos conjeturar que a parcela mais rica da população, no seu anseio por distinguir-se e evitar filas de atendimento optasse por planos particulares. Mas a lógica não vale para empresas que contratam esses planos de saúde, pois a ordem de sempre nas empresas é cortar custos. Se o custo com planos de saúde persiste, é porque as empresas reconhecem que deixar o funcionário à mercê da saúde pública não é boa política.
Prosseguindo na comparação numérica, constatamos que a parcela de americanos sem cobertura é pouca coisa menor que a dos brasileiros cobertos. Coisa de trinta e dois milhões a quarenta e dois milhões. Ou seja, nos Estados Unidos a maioria da população tem um plano privado de saúde, contra a maioria brasileira que conta somente com a saúde pública. E temos (plural majestático, claro) ainda a soberba de propor nosso modelo aos americanos?
É de se lembrar que nos Estados Unidos a oferta pública de saúde atinge a poucos (idosos e pessoas com real necessidade financeira), sendo estes grande maioria na conta dos hoje excluídos. A proposta de Obama obriga um modelo de financiamento direto, sem vírgulas e senões, das empresas e dos beneficiários. No Brasil, nossos impostos deveriam, segundo a Constituição Cidadã (conforme Ulysses Guimarães), garantir o atendimento universal. Como há “leis que não pegam, feito vacina”, a população correu para os planos privados, pagando as nada baratas mensalidades deles, concorrentemente aos impostos. Era de se esperar que houvesse benefícios globais, mas o resultado não apóia esta tese. E, como se não bastasse, o plano de saúde ainda tem de ressarcir o SUS no caso de um seu beneficiário ser atendido pela rede pública. Qualquer negociador iniciante chegaria à conclusão de que o cidadão, este sim, deveria receber seu quinhão de impostos de volta quando pagasse pelo plano de saúde, mas a lógica do ressarcimento passa ao largo disso.
A CPMF, que deveria ser essa grande fonte financiadora, não atingiu seus objetivos. Ao menos não resultou em resultados positivos visíveis para o sistema de saúde, assim como sua eliminação não é o causador do caos que por aí se vê. A persistência dos problemas do SUS, e a gradual e rápida deterioração das condições de atendimentos dos planos de saúde e sua rede credenciada nos levam a concluir que Mirian Leitão tem muita razão. Mas, como o sapo da lenda urbana, ainda estamos na zona de conforto, falta muito ainda para nos incomodarmos.
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