A saúde do cidadão brasileiro é garantida pela constituição, na sua seção II, de forma integral e em sistema único. Tal sistema é apresentado ao mundo como um grande modelo na área. Pudera: há integração dos governos federal, estaduais e municipais para a prestação de serviços médico-hospitalares, não só para assistência curativa mas com ênfase também em promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças.
No mundo projetado pelos deputados constituintes, qualquer cidadão que necessite de atendimento médico o terá de forma gratuita em todo território nacional, os governos (todos) teriam dinheiro para construir e manter hospitais, pagar os profissionais necessários, comprar e repor os insumos e ainda fazer atividades de prevenção.
No Brasil atual, entretanto, as coisas estão menos “sonháticas”. Os hospitais, quando existem, não estão sequer aparelhados. Não há profissionais para atendimento. Os governos valem-se das verbas para outras atividades diversas, embora sua contabilidade diga o contrário. Embora o powerpoint aceite qualquer coisa, basta uma breve volta pelos hospitais públicos para constatar que há uma distância enorme entre o SUS da constituição e dos simpósios internacionais daquele que deixa à morte nossos doentes.
Do outro lado, um grande paradoxo: se o SUS é essa cornucópia de virtudes, porque um quarto da população brasileira tem um plano de saúde privado? Seria essa população constituída de milionários que não querem se misturar? Ou de pessoas que acham que ganham bem até demais, e querem contribuir com as operadoras de planos de saúde? Ou…
Resposta clara, principalmente se lembrarmos que a população coberta pela saúde suplementar sobe em tempos de economia forte, mostrando que os menos favorecidos querem, sim, entrar nesse mundo. Mas desejariam entrar se a saúde pública, o SUS, fosse tudo o que se propaga fora do Brasil? Ou mesmo dentro do Brasil, a considerar as estatísticas oficiais (de todos os governos e, portanto, de todos os partidos).
Qual é o sentido da existência da saúde suplementar, opção ao SUS, se este funcionasse de fato? Não há. A conclusão, óbvia, é a de que não existe saúde pública, na pratica. E que os males agora identificados na saúde suplementar são, na essência, a própria confirmação da inexistência do SUS.
Operadoras são punidas em virtude de baixa qualidade no atendimento aos beneficiários. Isso enquanto pela imprensa se noticiam casos de falta de equipamentos, equipes, atendimento… E a pergunta que não quer calar é: e o SUS?
Se criado para ser um sistema único, não caberia espaço às operadoras. Se existissem entidades de serviços médico-hospitalares públicas, em número suficiente e devidamente aparelhadas, não teria mercado para as operadoras. Se houvesse cumprimento das mesmas metas de qualidades impostas às OPS, aí mesmo é que o cidadão não consideraria essencial ter um plano privado de assistência médica.
A pujança, portanto, do mercado de saúde suplementar mostra o quão falido está o sistema público. O incessante aumento na quantidade de beneficiários é mais que vegetativo. É alternativa, única e cara, ao medo do cidadão morrer na fila de atendimento.
As ações do governo, via Agência Nacional de Saúde (ANS), são ilustrativas da diferença de percepção entre consumidor e contribuinte. Este não se apropria do direito advindo dos impostos. Não tem ferramentas para concretizar esses direitos nem juridicamente. Saúde, neste contexto, não é direito. De outro lado, o consumidor concretiza seus direitos no boleto pago. Com ele à mão e com a ajuda de órgãos de defesa do consumidor, baseados nas leis marco da saúde (a própria lei 9656, o Código do Consumidor e o Estatuto do Idoso), estes enxergam e exigem seus direitos. O governo federal os apoia nessa ação, via ANS, mas esquece-se de que as reclamações contra a saúde públicas são as mesmas, potencializadas pela histórica falta de gestão.
A saúde é um problema mundial. Enquanto alguns países o enfrentam com ações concretas, o Brasil o enfrenta com estatísticas. Como já se disse alhures, “estatística é a ciência de provar, através nos números, que estou certo”.
Já que o negócio é simplificar e regras e normas parecem fazer o gosto dos governos (de qualquer partido), edite-se uma lei proibindo o cidadão de ficar doente. O problema, tanto do SUS como da saúde suplementar, se resolveria imediatamente.
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