Tema recorrente em minhas apresentações e conversas com gestores de hospitais e planos de saúde, os problemas do setor são facilmente identificados. De tão comuns, é um lugar comum, e discorrer sobre eles é oferecer ao interlocutor uma série infindável de platitudes. Como é, entretanto, uma demanda sempre presente, vamos a eles.
Falta de cultura de prevenção
Não há cultura de prevenção de doenças para nenhum dos players da saúde suplementar. Operadoras ainda resistem, honrosa exceção feita às autogestões; prestadores médico-hospitalares ainda estão centrados no modelo da medicina assistencial; operadoras de planos de saúde evitar gerar mais custo, embora prevenção seja investimento; a população ainda está mais próxima do bolsa-família que da bolsa-saúde (ratificando Maslow: tentando sobreviver, ironicamente descuidando da saúde). E a ANS, que tem feitos esforços evidentes para que esse tema emplaque, está tentando gerar essa cultura, que ela própria ainda não tem (óbvio: ainda são incipientes as ações nesse sentido no Brasil).
O resultado óbvio e esperado é que as doenças se manifestem, as crônicas es estabeleçam, e que o beneficiário só se dê conta (ou importância) quando precisa de cuidados médicos urgentes. Ou emergentes. Como resultado, quase toda a “sinistralidade” recai sobre procedimentos assistenciais emergenciais, sempre caríssimos (procedimentos e insumos).
A operadora que estiver disposta a investir em prevenção poderá contabilizar os bons resultados que ela proporciona, tanto em termos financeiros como em termos de qualidade de vida dos beneficiários. Mas são poucas as que fazem prevenção como se deve, preferindo “cuidar” das pessoas com altos custos na sua carteira. Uma política de “controle de danos” (ou, como diz um amigo meu, cuidar dos “carros batidos”). A ação dessas operadoras se dá sempre sobre os que já têm a doença manifestada, o que invalida o conceito.
Auditoria técnica de procedimentos (ou segunda opinião)
Os médicos e hospitais reclamam, mas a auditoria é necessária. Talvez, se mudarmos o nome…
Vá lá. A segunda opinião é necessária. Porque estamos falando de custos que atinem não somente um indivíduo, mas muitos. Pois que a saúde suplementar é baseada no Princípio do Mutualismo, que é a diluição do risco que viabiliza as operações de seguro. E como o mercado não tem protocolos de atendimento, cuidado, tratamento, ou qualquer outro, cada qual trata o paciente de acordo com sua crença. Como dizia Maslow, quem é bom de martelo trata tudo como prego. Se o médico tem uma abordagem padrão, dificilmente se afastará dela por questões de custo. Já a segunda opinião, desvinculada do prestados médico-hospitalar, cuidará de avaliar se o procedimento solicitado/realizado tem adequabilidade e necessidade.
Numa conversa com uma administradora de uma autogestão, ela me relatou a estupefação da beneficiária que, com dor no pé, teve solicitada uma tomografia da cabeça. Claro, há explicações. Mas elas devem ser técnicas e colegiadas, para oferecer o fundamento de que necessita a justificação da despesa.
Ainda há muitas operadoras que não têm esse serviço, ou o têm de forma muito precária. Por exemplo, é comum um médico de um hospital ser auditor, nesse mesmo hospital, a soldo de alguma operadora. Pergunta-se: terá ele condições de avaliar objetivamente o profissional que trabalha ao seu lado? Dificilmente.
Os ganhos dessa abordagem, mesmo que seja feita por amostragem aleatória (sobre os procedimentos mais caros e/ou mais recorrentes) são significativos. E traria, para a operadora, um certo alívio na pressão da sinistralidade.
Medidas de contenção de gastos
Enquanto o médico não tem agenda para menos de sessenta dias, qualquer dor de cabeça é tratada no pronto-socorro. Que, para se precaver, ou para realizar um bom diagnóstico, realiza toda uma bateria de exames que, ao final das contas, são desnecessários. mas correr para o pronto-socorro parece ser a coisa mais lógica a fazer quando não se tem a quem recorrer. Mesmo que isso infle os custos. O beneficiário não tem culpa, tem somente os sintomas. E a “carteirinha do convênio”. E o pronto-socorro (pronto-atendimento, ambulatórios, etc.) entopem-se de gente que não precisaria estar ali.
Um secretário de saúde de um município paulista me afirmou que, por triagem, tem certeza de que esse contingente é de 50%. Metade das pessoas que estão aguardando atendimento de urgência não precisariam estar ali, sujeitando-se a adoecer no próprio ambiente hospitalar, ou amargando horas de espera de atendimento (não, estou falando da saúde suplementar mesmo, cada vez mais SUSificada…).
Como essa medida, óbvia em tempos de prazos máximos de atendimento estabelecidos pela ANS, várias outras medidas são necessárias. Ou possíveis. Mas como todas elas representam, de alguma forma, aumento de custos, ainda vai demorar para serem implementadas.
Otimização de processos (operadoras e prestadores de serviços)
Ainda há operadoras que fazem com que o beneficiário vá até um ponto de atendimento para obter uma guia autorizando a execução de procedimento(s). Como se a medida não tivesse custos, para a operadora e para o beneficiário. E ainda há as que conferem toda a produção médica de forma manual, ainda há as que geram pagamentos de forma anacrônica, ainda há as que não conseguem automatizar seus processos. Em plena era da nuvem da internet, ainda há as exigências internas de assinatura física num documento, análise detalhada por parte do departamento X (nos documentos físicos, claro)…
Ou seja, ainda há, nas OPS e nos prestadores, muitos processos em desordem, se é que podemos chamar de processos. Essa entropia de procedimentos traz custos sempre invisíveis mas implacáveis: roubam o pouco que restaria para geração de lucros (operadoras comerciais) ou novos benefícios (autogestões), sob o rótulo de despesas administrativas. Todos dizem que estão com o quadro de pessoal enxuto, nunca vi ninguém dizer que tem gente sobrando. Mas estão lá aqueles grupos de pessoas qualificadíssimas conferindo se o documento está assinado, se o valor cobrado é o negociado, se o prestador é credenciado, se o beneficiário não está em carência… E ainda há exemplos bem piores.
Pagamento aos prestadores médico-hospitalares
A moda é discutir o pagamento por performance, mas grande parte do mercado ainda discute esse modelo baseado no paradigma do atendimento eventual, sob demanda do próprio paciente. ~Poucos distem o tratamento como um todo. Assim, não se garante a cura do paciente, somente a realização do procedimento. Aliás, não se tem a menor ideia sobre em que estado está o paciente. Ele veio do nada, fez um procedimento, voltou para o nada. Se ele, paciente assim deseja, ressurge do nada para dar feedback sobre sua condição.
E, pior, as negociações das OPS realmente encurralam os prestadores. Principalmente unidades hospitalares e clínicas, que não têm o poder de mobilização, em especial junto aos beneficiários, para gerar pressão no sentido contrário. As OPS se dizem no limite por causa da sinistralidade. Prestadores se declaram no limite por causa a remuneração parca. E hospitais e clínicas tentam ganhar onde podem, virando mercadores de materiais e medicamentos, e as operadoras geram as glosas onde podem, cada qual se esforçando para acreditar que está fazendo seu papel.
A ANS e a legalidade
Recentemente, a ANS declarou que, em respeito à legalidade, não age mais junto a prestadores, ou em seu favor. Legalista que sou, concordo. Mas como animal político (segundo alguns mais animal que político), tenho a ponderar que a ANS, a agência reguladora mais atuante do país, pode gerar, ou no mínimo tentar, a mudança necessária nessa conjuntura. Estamos hoje com uma quase piada pronta: A ANS não pode regular sobre entidades médico-hospitalares. Por exigência (ou omissão) esdrúxula da lei. Mas ela já avançou em tantas coisas, esperemos que brevemente ela se livre dessa amarra.
Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são… Tratemos de procurar e matar essas saúvas.
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