27 setembro 2011

As saúvas da saúde suplementar

Tema recorrente em minhas apresentações e conversas com gestores de hospitais e planos de saúde, os problemas do setor são facilmente identificados. De tão comuns, é um lugar comum, e discorrer sobre eles é oferecer ao interlocutor uma série infindável de platitudes. Como é, entretanto, uma demanda sempre presente, vamos a eles.

Falta de cultura de prevenção

Não há cultura de prevenção de doenças para nenhum dos players da saúde suplementar. Operadoras ainda resistem, honrosa exceção feita às autogestões; prestadores médico-hospitalares ainda estão centrados no modelo da medicina assistencial; operadoras de planos de saúde evitar gerar mais custo, embora prevenção seja investimento; a população ainda está mais próxima do bolsa-família que da bolsa-saúde (ratificando Maslow: tentando sobreviver, ironicamente descuidando da saúde). E a ANS, que tem feitos esforços evidentes para que esse tema emplaque, está tentando gerar essa cultura, que ela própria ainda não tem (óbvio: ainda são incipientes as ações nesse sentido no Brasil).

O resultado óbvio e esperado é que as doenças se manifestem, as crônicas es estabeleçam, e que o beneficiário só se dê conta (ou importância) quando precisa de cuidados médicos urgentes. Ou emergentes. Como resultado, quase toda a “sinistralidade” recai sobre procedimentos assistenciais emergenciais, sempre caríssimos (procedimentos e insumos).

A operadora que estiver disposta a investir em prevenção poderá contabilizar os bons resultados que ela proporciona, tanto em termos financeiros como em termos de qualidade de vida dos beneficiários. Mas são poucas as que fazem prevenção como se deve, preferindo “cuidar” das pessoas com altos custos na sua carteira. Uma política de “controle de danos” (ou, como diz um amigo meu, cuidar dos “carros batidos”). A ação dessas operadoras se dá sempre sobre os que já têm a doença manifestada, o que invalida o conceito.

Auditoria técnica de procedimentos (ou segunda opinião)

Os médicos e hospitais reclamam, mas a auditoria é necessária. Talvez, se mudarmos o nome…

Vá lá. A segunda opinião é necessária. Porque estamos falando de custos que atinem não somente um indivíduo, mas muitos. Pois que a saúde suplementar é baseada no Princípio do Mutualismo, que é a diluição do risco que viabiliza as operações de seguro. E como o mercado não tem protocolos de atendimento, cuidado, tratamento, ou qualquer outro, cada qual trata o paciente de acordo com sua crença. Como dizia Maslow, quem é bom de martelo trata tudo como prego. Se o médico tem uma abordagem padrão, dificilmente se afastará dela por questões de custo. Já a segunda opinião, desvinculada do prestados médico-hospitalar, cuidará de avaliar se o procedimento solicitado/realizado tem adequabilidade e necessidade.

Numa conversa com uma administradora de uma autogestão, ela me relatou a estupefação da beneficiária que, com dor no pé, teve solicitada uma tomografia da cabeça. Claro, há explicações. Mas elas devem ser técnicas e colegiadas, para oferecer o fundamento de que necessita a justificação da despesa.

Ainda há muitas operadoras que não têm esse serviço, ou o têm de forma muito precária. Por exemplo, é comum um médico de um hospital ser auditor, nesse mesmo hospital, a soldo de alguma operadora. Pergunta-se: terá ele condições de avaliar objetivamente o profissional que trabalha ao seu lado? Dificilmente.

Os ganhos dessa abordagem, mesmo que seja feita por amostragem aleatória (sobre os procedimentos mais caros e/ou mais recorrentes) são significativos. E traria, para a operadora, um certo alívio na pressão da sinistralidade.

Medidas de contenção de gastos

Enquanto o médico não tem agenda para menos de sessenta dias, qualquer dor de cabeça é tratada no pronto-socorro. Que, para se precaver, ou para realizar um bom diagnóstico, realiza toda uma bateria de exames que, ao final das contas, são desnecessários. mas correr para o pronto-socorro parece ser a coisa mais lógica a fazer quando não se tem a quem recorrer. Mesmo que isso infle os custos. O beneficiário não tem culpa, tem somente os sintomas. E a “carteirinha do convênio”. E o pronto-socorro (pronto-atendimento, ambulatórios, etc.) entopem-se de gente que não precisaria estar ali.

Um secretário de saúde de um município paulista me afirmou que, por triagem, tem certeza de que esse contingente é de 50%. Metade das pessoas que estão aguardando atendimento de urgência não precisariam estar ali, sujeitando-se a adoecer no próprio ambiente hospitalar, ou amargando horas de espera de atendimento (não, estou falando da saúde suplementar mesmo, cada vez mais SUSificada…).

Como essa medida, óbvia em tempos de prazos máximos de atendimento estabelecidos pela ANS, várias outras medidas são necessárias. Ou possíveis. Mas como todas elas representam, de alguma forma, aumento de custos, ainda vai demorar para serem implementadas.

Otimização de processos (operadoras e prestadores de serviços)

Ainda há operadoras que fazem com que o beneficiário vá até um ponto de atendimento para obter uma guia autorizando a execução de procedimento(s). Como se a medida não tivesse custos, para a operadora e para o beneficiário. E ainda há as que conferem toda a produção médica de forma manual, ainda há as que geram pagamentos de forma anacrônica, ainda há as que não conseguem automatizar seus processos. Em plena era da nuvem da internet, ainda há as exigências internas de assinatura física num documento, análise detalhada por parte do departamento X (nos documentos físicos, claro)…

Ou seja, ainda há, nas OPS e nos prestadores, muitos processos em desordem, se é que podemos chamar de processos. Essa entropia de procedimentos traz custos sempre invisíveis mas implacáveis: roubam o pouco que restaria para geração de lucros (operadoras comerciais) ou novos benefícios (autogestões), sob o rótulo de despesas administrativas. Todos dizem que estão com o quadro de pessoal enxuto, nunca vi ninguém dizer que tem gente sobrando. Mas estão lá aqueles grupos de pessoas qualificadíssimas conferindo se o documento está assinado, se o valor cobrado é o negociado, se o prestador é credenciado, se o beneficiário não está em carência… E ainda há exemplos bem piores.

Pagamento aos prestadores médico-hospitalares

A moda é discutir o pagamento por performance, mas grande parte do mercado ainda discute esse modelo baseado no paradigma do atendimento eventual, sob demanda do próprio paciente. ~Poucos distem o tratamento como um todo. Assim, não se garante a cura do paciente, somente a realização do procedimento.  Aliás, não se tem a menor ideia sobre em que estado está o paciente. Ele veio do nada, fez um procedimento, voltou para o nada. Se ele, paciente assim deseja, ressurge do nada para dar feedback sobre sua condição.

E, pior, as negociações das OPS realmente encurralam os prestadores. Principalmente unidades hospitalares e clínicas, que não têm o poder de mobilização, em especial junto aos beneficiários, para gerar pressão no sentido contrário. As OPS se dizem no limite por causa da sinistralidade. Prestadores se declaram no limite por causa a remuneração parca. E hospitais e clínicas tentam ganhar onde podem, virando mercadores de materiais e medicamentos, e as operadoras geram as glosas onde podem, cada qual se esforçando para acreditar que está fazendo seu papel.

A ANS e a legalidade

Recentemente, a ANS declarou que, em respeito à legalidade, não age mais junto a prestadores, ou em seu favor. Legalista que sou, concordo. Mas como animal político (segundo alguns mais animal que político), tenho a ponderar que a ANS, a agência reguladora mais atuante do país, pode gerar, ou no mínimo tentar, a mudança necessária nessa conjuntura. Estamos hoje com uma quase piada pronta: A ANS não pode regular sobre entidades médico-hospitalares. Por exigência (ou omissão) esdrúxula da lei. Mas ela já avançou em tantas coisas, esperemos que brevemente ela se livre dessa amarra.

 

Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são… Tratemos de procurar e matar essas saúvas.

A evolução não dá saltos, mas bem que poderia – A importância da prevenção de doenças e riscos

Quando a vacina foi inventada (ou descoberta, foi um misto dos dois), houve resistência. A Revolta da Vacina é um exemplo. Pessoas morriam, a doença estava descontrolada, mas não havia racionalidade na análise dos fatos. Somente aos poucos a vacina ocupou seu lugar importantíssimo na saúde.

De outro lado, a Teoria da Abiogênese, quando contestada, teve defensores ferozes. A despeito, novamente, das evidências, era mais manter a crença existente que avançar para outro patamar. E é um marco importante também na história da saúde.

Em prevenção de doenças e riscos, ocorre um processo semelhante. Não igual, pois há uma onda de saúde varrendo algumas porções da população. Embora precisássemos de um tsunami, a presença da onda é boa notícia. Mas há ainda aqueles que, do alto de suas crenças arraigadas, ainda despreza a importância da vida saudável.

Ainda ouço pessoas dizendo que, na “na minha época, ninguém se preocupava com isso e todos viviam bem”.  Viver bem, no caso, é uma questão de comparação. Há a evolução dos indicadores da saúde, e eles vêm progredindo paulatinamente durante estes anos. Hoje, se vive melhor. Se não se constata mais esse fato, é por uma cegueira auto-assumida, de não querer enxergar o óbvio. Contra argumentos não há fatos, como ridicularizaria um amigo meu.

Nossa sociedade ainda está baseada na lei do mínimo esforço e do máximo prazer. Ou acredita estar. O fast food promove, como nos mostrou o Supersize me, um sem número de complicações de saúde. O sedentarismo deixa a pessoa sem ânimo, e a falta de ânimo não permite à pessoa escapar do sedentarismo. Exames de controle preventivo não são feitos, pois não há datas nem médicos, e, aparentemente, nem razões para fazê-los há.

Se avaliarmos o que pagamos de plano de saúde e considerarmos que esse valor é aviltado pelos custos daquelas pessoas que não se cuidam, se alimentam de forma descuidada, não têm atividade física, e abusam de álcool e tabaco, podemos chegar a uma nova guerra. Pois aqueles que se preocupam com a saúde e a mantém sob controle acabam pagando a conta hospitalar daqueles que ainda não acordaram para o problema.

Quantas cirurgias, internações, atendimentos de urgência, procedimentos arriscados poderíamos evitar com um comportamento mais preventivo e menos descomprometido? Muito, mas isso é uma mera inferência econômico-financeira. Na verdade, de quantos anos a mais de vida saudável estamos nos privando? E qual é o custo familiar e social desses anos em que não vivemos mais na plenitude, e dependemos de uma teia de relacionamentos e serviços para remediar?

A vacina é essencial. A pasteurização evita doenças. E a prevenção é fundamental. E não há argumentos, contra os fatos bastantes que temos por aí.

26 setembro 2011

ANS divulga esclarecimento sobre seu papel na relação entre planos de saúde e prestadores

Em 21/09/2011, a ANS divulgou uma nota sobre seu papel na relação entre planos de saúde e prestadores (aqui).

De fato, a legislação não concedeu alcance À ANS para agir diretamente sobre os prestadores de serviços das operadoras. Estranhamente, já que os prestadores têm importância inequívoca no contexto da saúde suplementar. O fato é que o legislador não antecipou os problemas que poderiam surgir, e a lei está (há muito) desatualizada.

Dizer simplesmente que segue a legalidade não basta. A greve dos médicos comprova que não há saúde suplementar sem prestadores. São inúmeros os casos no  Brasil, isolados ou não, em que categorias de especialidades (por exemplo, os pediatras no distrito federal ou os anestesistas em vários pontos do Brasil) que se mobilizam para fazer valer sua força na definição de valores e processos de pagamento pelas OPS (Operadoras de planos de saúde).

A ANS já age sobre prestadores, indiretamente. Basta ver as grandes dificuldades enfrentados por eles na TISS e na TUSS, muito embora a obrigatoriedade fosse exigida somente das operadoras. Um pouquinho, um mínimo de criatividade poderia amenizar o problema. Mas não foi esse o caminho escolhido pela agência.

Os estudos levados a termos para o famoso pagamento por performance não implicariam na mesma ação direta sobre os prestadores? Não, dirão os mais literais. Age sobre a forma de pagar das operadoras. Os mais abrangentes dirão que é óbvio que sim, pois causa impacto diretamente nos valores a pagar.

Ora pode, ora não pode mais. Vai entender…

24 setembro 2011

Prevenção de riscos e doenças – Dificuldades das operadoras

É consenso que a prevenção de riscos e doenças é medida vital para a saúde suplementar. Mas é notório que as operadoras de planos de saúde (OPS), à exceção das autogestões, são as que mais estão engajadas no processo de prevenir riscos e doenças. Isso porque as autogestões (a maioria) encaram a saúde de seus beneficiários como benefício, não necessariamente um custo. Ademais, há uma certa estabilidade na permanência desses beneficiários na autogestão.

O mesmo não ocorre nas operadoras comerciais. Ouvi de um superintendente de uma grande operadora que sua massa de beneficiários praticamente se renovava a cada três anos. Em seu raciocínio, qualquer investimento em prevenção redundaria em evitar o sistro da próxima operadora. Sem investimentos (ou despesas), portanto.

O que se faz atualmente

Há uma grande discussão, nas OPS, do que se fazer a título de prevenção. E o que se faz, de fato, é o gerenciamento dos crônicos já identificados, normalmente selecionados pelo critério do custo assistencial. Óbvio que se evitam despesas com essa abordagem, assim como é óbvio que a ação implica em evitar complicações do estado de saúde do beneficiário, mas dificilmente evita-se  a doença. Há uma quimera, que faz gestores acreditarem que o ganho obtido com essa abordagem financiará das outras ações necessárias. Ainda não vi casos de uma evolução nesse sentido.

Outra abordagem é a gestão de casos, em que os beneficiários que, por sua condição, demandam muitos recursos médico-hospitalares são objeto de um projeto de cuidado específico. Também aqui os ganhos são significativos, mas a população envolvida é, normalmente, pequena. Evitam-se grandes despesas para uma porção mínima de pessoas, o que faz com que a economia seja insiginificante no total da massa.

A ANS e a prevenção

A ANS tem atuado no sentido de promover a prevenção como foco, não somente medica acessória de um mercado sem grandes alternativas. O IDSS, a forma de contabilização, o programa de envelhecimento ativo, tudo é sinal de que o caminho está definido. Falta, entretando, o empurrão que fará com que as medidas sejam realmente implementadas.

As operadoras ainda estão tentando se ajustar a uma época pós Lei 9656. Embora já tenha mais de dez anos, a lei engessou a capacidade de gerar receitas das operadoras, num mercado altamente competitivo cujos preços são referências falsas.

A ANS pode dar vários passos à frente. Estranhamente, está preocupada com a publicação de mapas localizadores dos prestadores, com sua óbvias implicações na sinistralidade das OPS e na qualidade de vida dos beneficiários…

Os beneficiários e a cultura da prevenção

Ou melhor, a falta de cultura…

Em um momento, pode comer ovo com gema. No outro, não pode, pois pode fazer mal… O bom é o exercício físico, Não, basta a atividade física…

Já não é hábito fazer prevenção de qualquer coisa no Brasil. De saúde, então, é muito mais difícil. O cidadão vai ao médico em último caso, passando pela farmácia e pelo guia espiritual antes. E acha que é vontade divina quando o câncer apresenta matástase.

É preciso mexer com hábitos poderoosamente arraigados: alimentação e sedentarismo. A abordagem é a mesma dos anos 70: aterroriza-se o indivíduo, criando o medo, para que ele mude de hábitos. Aliás, como no caso do tabagismo, é só mostrar um pulmão tomado pelo câncer para criar consciência sobre o problema…

As ações relacionadas a prevenção devem ser abrangentes, sistemáticas e têm de apresentar o poder de gerar convencimento e adesão. Se os discursos forem aleatórios, como nas campanhas de muitas SIPATs, sem contâcnia de propósitos e sem planejamento de edição, a mensagem vira uma pregação no deserto. De outro lado, o médico que recomenda perda de peso e exercício, ele próprio com sobrepeso e flagrantemente sedentário não gera credibilidade suficiente para gerar convenvimento.

O indivíduo que procura o médico somente em extrema necessidade não desenvolverá cultura preventiva, ao menos em curto espaço de tempo. E no seu almoço continua a ser servir das frituras e embutidos, abusando do sal e ameaçando mudar de restaurante se assim não for naquele.

Distância fática

É um número mágico nas OPS a quantidade de quatro exames por beneficiário por ano. É um indicador de utilização. Quam está acima, usa muito. Quem está abaixo, usa pouco e pode vir a ser um problrma porque não se cuida. Essa é a análise baseada na medicina assistencial.

Se fosse preventiv a essa análise? De quantas consultas precisaríamos para ter o indivíudo saudável?

Não sei. Não tenho esse número, e não encontrei uma resposta ao menos defensável. Sei, entretanto, que talvez quatro consultas ou oito, ou doze, mas realizadas com enfoque preventivo, poderiam representar um excelente resultado para beneficiário e OPS, desde que fossem atendidos alguns critérios. Mas sei também que somente o médico não garante saúde, embora seja ele o maior reabilitador e curaador. Saúde se faz com um grupo de especialidades, não necessáriamente médicas. Uma vez oferecida essa abordagem ao indivíduo, devidamente sistematizada e baseada em protocolos, aí sim iniciar-se-ia a mudança comportamental de que precisamos.

A adesão do beneficiário

O beneficiário, compreendendo o processo (sistematizado e embasado em protocolos) de cuidar da sua saúde (alimentação, atividade física, investigação precoce, controle de indicadores), seria inexoravelmente envolvido por uma nuvem de ações que não lhe permitiriam outra ação senão manter-se saudável. Mas não pelo medo de morrer, mas pela vontade de viver e viver bem, com qualidade de vida. Seria o adesão do indivíduo a uma vida mais saudável, sem retratos em maços de cigarros e sem pitos de médicos e parentes.