23 setembro 2022

O fim do rol taxativo: dificuldades esperadas na Saúde Suplementar (Lei 14.454)


Com a promulgação da Lei 14.454 em 21/09/2022, as operadoras de planos de saúde são obrigadas a cobrir, desde que atendidas algumas exigências, procedimentos que não estejam no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (chamado simplesmente de ROL). O Rol especifica qual é cobertura a ser observada para os contratos de assistência médica e odontológica. (O Rol atual está neste link).

Sem considerar os impactos financeiros da medida (abordados superficialmente aqui), é preciso considerar que há impactos em outros pontos, que exigirão muita energia dos atores da saúde suplementar. Senão, vejamos.

ANS

A ANS se manifestou em relação à Lei, ainda antes de sua pronulgação. Destacamos o seguinte trecho:
"Importante ressaltar que o processo de revisão do Rol não será alterado. A Agência continuará recebendo e analisando propostas de inclusão via FormRol de forma contínua, com as incorporações podendo acontecer a qualquer momento, e com ampla participação social". (O grifo é nosso)
A falta de definição de um processo para atender à nova exigência da Lei pode vir a ser um problema, uma vez que as Operadoras de Planos de Saúde (OPS) dependem da ANS em diversos aspectos para autorizar e/ou pagar o procedimento realizado.

Ademais, a nova lei passa a compor o arcabouço legal do setor, obrigando a agência ao seu atendimento, parecendo extrema a posição de não aterar nada em seus processos em situação que pode vir a ser comum.

Não nos parece que seja parte de suas funções se manifestar desta ou daquela forma sobre leis positivadas. Mas é parte de suas funções agir para que estas sejam cumpridas da melhor forma possível, de forma a evitar problemas e turbulências no setor.

Operadoras de Planos de Saúde

A lógica de trabalho da operadora atualmente está vinculada a um rol taxativo. É com base nesse rol que a OPS busca seus fornecedores (hospitais, clínicas, profisionais) e com eles ajusta as condições de  prestação de serviços. E, com base nessa contratação, recebe os pédidos de autorização para realização do procedimento, e o fará com base no contrato assinado. É de se registrar que as normas exigem que o procedimento esteja previsto expressamente no contrato, inclusive mencionando o código TUSS (Terminologia Unificada da Saúde Suplementar), que não existirá em casos de procedimentos fora do Rol.

No caso de um procedimento fora do Rol, qual deverá ser o comportamento da operadora?
  1. Verificar se atende aos quesitos da Lei 14.454. Parece que, na falta de ação da ANS, esse julgamento poderá depender exclusivamente da OPS, o que pode acarretar desigualdades de tratamento no país. O próprio caráter genérico do contido na lei dificulta a padronização dessa avaliação.
  2. Identificar prestadores de serviços médico-hospitalares aptos a realizar o procedimento. Esse processo necessita ser rápido, principalmente por causa dos prazos de atendimento, que continuam valendo. Mas e se não forem identificados prestadores, ou a negociação não for bem sucedida? Como negociar parâmetros de um processo novo?
  3. Autorizar o procedimento. Sob que código? Sob que condições?
  4. Pagar o procedimento. De acordo com a negociação relâmpago que aconteceu.
  5. Providências complementares. Providências administrativas, contábeis, financeiras e de prestação de informações à ANS.

Poder judiciário

Com a Lei 14.454, o poder judiciário ganha importante papel como ator na Saúde Suplementar.
Vejamos o contido no Inciso I do § 13 do Artigo 10:
"a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que:
I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico"
Como se dará essa comprovação de eficácia? Quais são as evidências científicas? O que analisar no plano terapêutico? 

Com menos imprecisão, o poder judiciário já está abarrotado de ações concernentes à Saúde Suplementar. Com estas novas (in)definições (além de outras da nova lei), há uma forte tendência de que continue em espiral crescente a judicialização do setor, na contramão do que pretendia a decisão do STJ que definiu que o Rol era exaustivo (taxativo).

Aqui, precisamos voltar ao papel da ANS. Como agência reguladora, é seu papel definir as regras de operacionalização do que prevê a Lei. A Lei 9.656 é um grande exemplo, em que as diretrizes são ali  definidas e a agência as operacionaliza em forma de normas. Case a ANS se abstenha de agir proativamente para atender de forma célere as novas regras, estará contribuindo para desperdício de energia e acúmulo de desgaste no setor.

O beneficiário/paciente

Entidades e celebridades comemoraram a nova lei como um ganho social. E de fato pode vir a ser. 

No momento, dadas as dificuldades operacionais e a resistência de setores à novidade, podem garantir somente desilusão ao beneficiário. A estes, é recomendável que sempre obtenham uma segunda e mesmo uma terceira opinião para seus problemas de saúde, principalmente em situações de procedimentos invasivos e de risco potencial. 

Ainda não há panacéia para cura de doenças, ainda que a prevenção seja muito poderosa. Mas sopa de pedra com açúcar ainda não salva vidas.

Imagem de Arek Socha por Pixabay 





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