20 fevereiro 2019

O fosso que separa Regulação e fiscalização

A Lei 9.656 (e correlatas) é complexa, e é válido dizer que mais complexas ainda são as normas emitidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, pois disciplinam a primeira.
No primeiro momento, a lei atingiu de forma positiva um grande contingente de cidadãos. Somente a letra da lei já evidenciava a proteção aos beneficiários, e as regulações da ANS que se sucederam confirmam, na maior parte das vezes, essa impressão.
Mas há uma grande diferença entre a existência da regra e sua observância, como comprova a Operação Lava Jato no Brasil.
O problema é que ou a lei é complexa, ou o custo da denúncia recai sobre a parte mais fraca.

Exemplos de não atendimento à lei

Senão, vejamos:
  1. Planos de saúde estão sendo negados a contratantes individuais e/ou familiares. Os preços de partida para a última faixa etária são sempre inflados artificialmente, de forma a impossibilitar a contratação. E ainda há os casos em que a operadora diz não comercializar planos para aquela faixa etária, ou para contratantes individuais.
  2. No ato da contratação, não entregar o Manual de Contratação de Planos de Saúde e a Regra, principalmente, mas não exclusivamente, quando se trata de corretores ou corretoras. A Medida é tida como ritualística, que não mudaria a disposição de contratação do plano. Pode até ser mesmo verdade.
  3. Operadoras exigem entrevista com médico. Embora seja muito diferente de fazer exame ou perícia, o beneficiário não pode exercer seu direito a responder a Declaração de Saúde sem ser assistido pelo médico. Claro que este, no seu papel, força as perguntas no sentido de identificar costumes e medicamentos em uso.
  4. Reforce-se a presença sobre hábitos e comportamentos na entrevista obrigatória da declaração de saúde. Como se sabe, as perguntas devem versar exclusivamente sobre doenças de que “saiba ser portador” o entrevistado ou seu responsável legal;
  5. Na questão das negativas de atendimento, há uma comprovada demora em gerar o registro da negativa. Raras são as operadoras que têm agilidade (e vontade ) de gerar esse documento, e mais raras ainda as que informam sobre procedimentos de pedido de reanálise ou sobre a junta médica;
  6. Os prazos de atendimento ainda são uma grande incógnita para os beneficiários e seus familiares. Há os que acham que devem ser atendimentos imediatamente, há os que não sabem que tem direito aos prazos máximos regulamentares. Já presenciei casos de consultas sobre o assunto à operadora em que a pessoa que atendeu transmitiu informação errada, dizendo ser regra da ANS;
  7. Operadoras não fornecem protocolo. Algumas dizem que para alguns procedimentos não precisam fornecê-lo. Mesmo em casos óbvios de demandas assistenciais. Resultado? Não aceitam reclamações sobre a matéria sem o protocolo. Então…
  8. Saindo da esfera dos beneficiários, há uma questão preponderante sobre a TISS. Há operadoras que não obedecem a TISS, ou a alguns de seus requisitos. Um exemplo? A versão, ou o serviço que deve ser obrigatório. O prestador não reclama, pois sabe que enfrentará problemas se o fizer;
  9. Outro problema dos prestadores. O reajuste não é assim tão simples como querem fazer crer a Lei 13.003 e as normativas decorrentes. O prestador aceita, mesmo fora da época, o valor/índice imposto pela operadora. Reclamar, neste caso, significa também ter problemas com a operadora.

E a fiscalização?

O grande problema é que não há fiscalização que baste. Por exemplo, para venda de planos praticamente não há fiscalização. E o beneficiário não faz a mínima ideia de seus direitos.
Para as demandas assistenciais, a ação do consumidor é maior, já que sua necessidade é imediata. Reclamar é, muitas vezes, sua única saída, como mostram a quantidade de reclamações e as punições impostas pela ANS.
Uma saudável denúncia anônima seria uma boa ideia, não fossem os mal intencionados, como provam os trotes da polícia.

Entidades classistas, profissionais e PROCONS podem ajudar

A única opção viável em tempos de pouca ou nenhuma fiscalização é a transmissão de informações aos consumidores sobre seus direitos, e o auxílio essencial das entidades de defesa dos consumidores, entidades de classe, entidades associativas e empresas contratantes.

E as empresas contratantes?

Estas, as empresas contratantes, deveriam ter muito interesse na correta utilização dos serviços de saúde. Aliando-se aos colaboradores e suas famílias, prestariam um grande serviço à sociedade. Mas comprometidos que são com os custos em ascensão, é justamente a ausência que mais faz falta nessa batalha.

A ANS ajuda?

Finalizando: em resposta a algumas consultas feitas com o propósito de elucidar as normas, a ANS se deu ao trabalho de copiar trechos da lei e das normas, sem entrar no mérito da dúvida. Entende-se: não pode agir como advogado de causas etéreas. Mas que não ajuda a esclarecer a sociedade, não há dúvidas.

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