19 novembro 2024

Processos, disciplina e eficiência/eficácia empresarial


O filme Fome de Poder (The Founder, 2017) conta a história de Ray Kroc ao encontrar uma lanchonete cujas entregas o fascinaram e o fizeram se associar aos irmãos McDonald no empreendimento que viria a se tornar um grande sucesso mundial.

Dentre os atrativos identificados por Kroc, a “linha de montagem” dos sanduíches se destacava. Não à toa, quando o mundo das franquias eclodiu, o McDonald’s foi considerado por muitos o modelo ideal das franquias de quinta geração, justamente por causa de seus processos bem estruturados, tanto na produção quanto no atendimento ao cliente.

Em uma cena marcante, os irmãos McDonald vão a uma quadra de tênis para treinar os processos do restaurante. O treinamento é tão minucioso que o layout é rearranjado várias vezes até que o fluxo atinja a eficiência esperada. Cada passo é projetado, testado e ajustado, garantindo que o resultado final seja previsível. O sucesso da franquia fala por si.

No mundo real, muitas empresas enfrentam problemas operacionais que são atribuídos à "falta de processos". Porém, ao analisar mais profundamente, percebe-se que o problema não é apenas a ausência de processos, mas a falta de definição clara de etapas, objetivos e métricas. Isso resulta em sequências despadronizadas de atividades que buscam o mesmo resultado, mas com baixa eficiência e previsibilidade.

A modelagem de processos é uma etapa crucial para resolver esse problema, mas não basta apenas planejar. É necessário monitorar e ajustar continuamente, utilizando ferramentas como o ciclo PDCA (Planejar, Fazer, Verificar, Agir). Essa metodologia permite uma abordagem iterativa de melhoria contínua, mas sua eficácia depende de disciplina organizacional e adesão aos fluxos definidos.

Um exemplo prático é o caso da UPS, empresa americana de entregas, que aplicou mudanças simples, porém estratégicas. Em 2004, a empresa decidiu evitar ao máximo conversões à esquerda nas rotas dos caminhões de entrega, já que essas manobras exigem cruzar vias movimentadas ou esperar por semáforos, aumentando o consumo de combustível e o tempo de entrega. Essa política, fundamentada em dados, gerou resultados impressionantes: economia de 38 milhões de litros de combustível por ano, redução de 20.000 toneladas de carbono emitidas e entrega de 350.000 pacotes adicionais anualmente.

O exemplo da UPS demonstra como mudanças bem fundamentadas podem gerar resultados expressivos. Entretanto, muitas empresas enfrentam barreiras como resistência das equipes, falta de alinhamento entre prioridades e desconhecimento técnico. Superar essas barreiras exige engajamento, treinamento prático e ferramentas simples, como workshops de simulação e brainstorming.

Grandes resultados não dependem de ferramentas sofisticadas ou consultorias caras. Mudanças significativas começam com ações simples, como o treinamento prático conduzido pelos irmãos McDonald em uma quadra de tênis. A clareza de objetivos, o senso de propósito e uma liderança consistente são os pilares de processos bem estruturados. Pequenas ações realizadas com foco e determinação pavimentam o caminho para grandes impactos e resultados sustentáveis.

10 janeiro 2024

Saúde suplementar em 2024 - o que esperar?


O ano de 2023 foi um ano estéril de grandes acontecimentos na saúde suplementar do Brasil.

Foi o ano em que os movimentos contra as fraudes cresceram muito, mobilizando importantes empresas da área. Fraudes são crimes, importante lembrar. Mas é importante também lembrar que (conforme assinalou o IDEC) muitas vezes o consumidor não sabe que ela está sendo perpetrada pelo prestador de serviços. Isso devidamente registrado, é importante constar que, outras tantas vezes, o beneficiário sabe.

Mas vir a público apresentar o processo como se fosse a grande mazela da área é um certo exagero. É responsabilidade das operadoras de planos de saúde identificar se o reembolso é realmente devido, e a grande incidência mostra a fragilidade dos controles dentro da operadora. Algumas, mais práticas, trataram de identificar, via pesquisa nos dados, quem são os prestadores que mais geram os recibos e, através desses, identificar o beneficiário (vítima ou conivente, não importa).

Para encerrar esse tópico, há estimativas da grandeza de bilhões de reais relacionadas a essas fraudes. O que não deixa de ser curioso, pois se nem todas são identificadas, trata-se somente disso: uma estimativa, com grande chance de estar superdimensionada.

Outro assunto em voga foi a dificuldade econômica das operadoras (grandes e pequenas), cujas causas foram vinculadas à demanda reprimida, fraudes, inflação médica, etc.

Mas o assunto que atravessou o ano de 2023 para 2024 foi a venda da Amil. De grande negócio nacional, transformou-se num grande incômodo para a empresa americana que a adquiriu há alguns anos. A julgar pela quantidade de interessados, parece válido concluir que o negócio não deve ser assim tão ruim.

O fato é que é o fim de uma era. A Amil adquiriu, em 2007, A Blue Life, tradicional operadora tradicional paulistana. Depois, numa jogada arrojada, adquriu o controle da Medial Saúde, uma gigante paulistana. Uma série de fusões como essas lançou a Amil um patamar diferenciado, com um sucesso explicado em parte pela verticalização da operação. Pergunta-se em 2024: qual será o futuro da Amil sob o comando de José Seripieri? Pelo bem da saúde suplementar no Brasil, espera-se que seja um estrondoso sucesso.

O grande ausente em 2023 deve continuar ausente em 2024: a extinção das operadoras, causada pelo meteoro do fim do caráter terminativo do rol de procedimentos (Lei 14.454, de 09/2022). Os custos não explodiram, o apocalipse não chegou. Nem mesmo uma gota de chuva ou labareda do fogo dos infernos foi visto. Houve, claro, um aumento causado pela incorporação de medicamentos e terapias ao Rol. Mas não extingiu em massa as operadoras.

Em 2024, pode-se esperar o que se viu nos anos anteriores. Processos mal modelados nas operadoras, prazos máximos sendo esgarçados, beneficiário sem informação... Mais do mesmo que há 24 anos se vê no mercado.

o setor deveria se inspirar no modelo das Fintechs, que resolveram acabar com a estrutura mastodôntica dos grandes bancos. Inspirar-se, bem entendido, não copiar. Porque, mais do que tratar de recursos monetários, a área trata da saúde e, não raramente (ao contrário), de vidas.

As tecnologias deverão ser aplicadas de uma frma mais produtiva e assertiva. É necessária uma revolução que permita grandes ganhos de escala na operação administrativa da operadora, assim entendida aquela encarregada de emitir boletos de cobrança, emitir guias de autorização, receber e pagar contas médicas. Já no segmento assistencial, maior revolução é mais urgente. O atendimento assistencial precisa ser balizado por conhecimento embarcado em tecnologias já presentes, sejam em APPs de celular ou em software de computadores, ou mesmo presentes nos equipamentos de diagnóstico. 

É necessário diminuir os ciclos de execução dos processos (administrativos ou assistenciais), aumentar a eficência dos resultados (nas autorizações e execução de procedimentos), e direcionar a mão de obra para atendimento (humano) de fato.

É o que se pode esperar, mas dificilmente é o que será visto. Ao menos, não no atacado.