22 julho 2022

Reengendrando a Saúde Suplementar


As Fintechs, ao surgirem, desafiaram a lógica tradicional do mercado bancário. Pelo uso da tecnologia, remodelou e aperfeiçou processos relacionados ao atendimento ao cliente, concessão de crédito, pagamentos e taxas de serviços. Essas características, durante a pandemia, fizeram com que muitos abrissem uma conta em bancos exclusivamente digitais. 

O maior sinal de sucesso das fintechs é  interesse dos bancos tradicionais nesse tipo de empresa. Uma grande evidência desse reconhecimento é o APP da Caixa Econômica Federal, o CaixaTem, que processou os pagamentos do Auxílio Emergencial e que tem processo de abertura e movimentação totalmente online.

O processo de idealização das fintech considerou soluções para problemas comuns do setor. Um dos fortes apelos é a dispensa de várias taxas de serviços, parcial ou totalmente. Por ser uma estrutura mais enxuta, com processos melhor modelados, o modelo prescinde de taxas, fizem alguns dos CEO dessas empresa.

A Saúde Suplementar brasileira poderia adotar soluções inspiradas nas fintechs. Senão vejamos:

Desde a promulgação da Lei 9.656 e o início de sua vigência, em 1999, poucas alterações aconteceram nos processos das principais operadoras. Em pouco mais de 20 anos, as coisas são realizadas exatamente do mesmo jeito que sempre foram, apesar da farta tecnologia disponível. Exceção, talvez, às vendas dos planos de saúde, que muitas operadoras de planos de saúde (OPS) disponibilizaram de forma online.

Mas o processo de pagamento das contas médicas, por exemplo, segue o mesmo padrão: ao final de um período, as contas são fechadas pelo prestador de serviços, são encaminhadas à OPS, que as analisa detalhadamente para realizar o pagamento dentro de um período determinado de tempo. Nessa lógica, entre a data do atendimento e o pagamento podem decorrer, por exemplo, sessenta dias (a depender das regras contratuais).

Uma "OPSTech", ou uma operadora inovadora, baseada em tecnologia, tem toda condição de acompanhar o atendimento ainda em sua evolução, validar os procedimentos e insumos utilizados e pagar imediatamente após a alta do paciente os valores já consensados. Impactos no fluxo de caixa? Certamente, mas concomitantes com impactos positivos na relação com o prestador de serviços.

Outro ator da saúde suplementar que pode ser privilegiado é o beneficiário do plano de saúde. Hoje, muitos procedimentos são regidos por regras de regulação, que podem incluir até mesmo a necessidade de deslocamento até a OPS. Esses procedimentos regulatórios desagradam o beneficiário/paciente, desgastando ainda mais uma relação historicamente ruim.

Pois bem, uma OPSTech, adotando a linha de ação das fintechs, pode rever algumas dessas medidas regulatórias e disponibilizar ferramentas e processos de maneira que o beneficiário possa resolver suas demandas através de seu smartphone , de maneira rápida, fácil e sem gerara maiores desgastes. E, ainda, ajustar a regulação para itens que realmente sejam merecedores desse cuidado, identificados em avaliação de dados reais de atendimentos.

Há muitos outros processos nas OPS que podem ser aperfeiçados pela utilização da tecnologia. Atividades que hoje são pura burocracia podem ser eliminadas ou reengendradas, de forma a oferecer um melhor desempenho aos processos. E, com o foco no prestador de serviços e no beneficiário, a tecnologia pode desequilibrar o jogo em favor de quam a utiliza.  

Imagem: Pixabay

07 julho 2022

Quando vai ser a próxima corrida



Quando vai ser a próxima Corrida?


Lourenço Diaféria

Você venceu!
Você chegou onde queria.
Se lembra quando lhe disseram que a parada iria ser dura?
Muitos nem tentaram.
Muitos desistiram.
Muitos desanimaram.
Muitos falaram que não valia a pena.
Mas você chegou onde queria.
Foi difícil, a pista estava escorregadia.
Quantas pedras no meio do caminho.
Não eram todos que aplaudiam. Alguns o olhavam com olhar de descrença, diziam: - Coitado, é um sonhador.
Bolhas nos pés, tênis apertado, o suor escorrendo pelo rosto, a ladeira íngreme, e o dramático instante da dúvida: paro ou continuo?
Uma decisão apenas sua.

Alguns estavam caídos de cansaço e tédio.
Havia ainda um longo caminho pela frente,
e havia mais curvas do que retas.
Alguém o animou - Força, cara.
Alguém o provocou - E agora, cara?
Alguém tripudiou - Larga disso, cara.

Lembra?, você teve uma baita vontade de ir embora, de pegar suas coisas e dizer - Tchau mesmo, quero que tudo se lixe, pra mim chega, já dei minha cota, não tem mais jeito - e virar as costas à luta, à incompreensão, ao sacrifício.
Você teve vontade de ir para uma ilha deserta onde vertessem leite e mel.

Você olhou em frente. O horizonte era uma sombra parda.
Mas mesmo nessa hora tensa, pelo sim pelo não, você não parou de correr.
Talvez tenha diminuído o tamanho do passo, porque ninguém é de pedra e o coração da gente não pode ser medido com trena e compasso.
Mas você não parou porque sabia que no meio da multidão havia um recado mudo aguardando a sua decisão.
De sua decisão dependia a esperança de gente que você nem conhecia.
Então você tomou um fôlego, abriu o peito, e com os pés no chão e os olhos lá na frente, mandou ver.
Não importava tanto a colocação.
Você lutava para construir a sua parte no edifício do destino.

E foi seguindo.
Sem perceber, arrastou com seu exemplo muitos que pensavam em ficar no meio do caminho.
E você venceu.
Você chegou onde queria.

Ou você não venceu.
Você não chegou onde queria.
As coisas não deram certo, você tropeçou, havia um buraco, e outro buraco, e mais um buraco no chão feito de armadilha.
Você caiu, rolou, ah, houve gente que riu!
Alguém vaiou.
Você não venceu. Você não chegou onde queria.
Esfolou a pele, abriu ferida, em vez de estrelas o cobriu um manto cravejado de ridículo.
O suor de seu rosto foi em vão.
Em vão seus músculos latejaram.
Tudo em vão.
Apanhe seu embornal de mágoa, fique de mal com o mundo, abandone a pista.
Você teve a tentação.

Mas na multidão alguém esperava seu gesto de conquista.
Vamos, rapaz, esfregue a perna. Levante os ombros.
Não deixe que se apague o brilho dos seus olhos.
Escute o bater abafado do coração que insiste.
Você está vivo, e não está vivo à toa.

Você se levantou, se lembra?, e a vaia lhe soou como sinfonia.
Recomeçou a corrida e quando, por fim, você chegou - não em primeiro, como sonhava - mas chegou, o suor de seu rosto parecia purpurina.
Todos pensavam que você estivesse satisfeito por haver chegado.
Então você recolheu os retalhos de suas forças e perguntou:
- Quando é que vamos disputar a próxima corrida?
E foi neste momento que você venceu e chegou onde queria!

05 julho 2022

Ainda sobre a decisão do STJ - Rol Taxativo


Um dos casos mais citados na questão do Rol Taxativo da ANS foi a dos portadores de transtorno de espectro autista. O apresentador Marcos Mion citava a falta de cobertura para diversas necessidades desse grupo como argumento para que o Rol fosse exemplificativo.

Não é recente a judicialização na saúde suplementar. Ela é, inclusive, uma das geradoras da necessidade da lei, na medida em que diversos contratos pré lei 9.656 continham cláusulas abusivas, derrubadas somente por decisão judicial.

Representantes de operadoras se agrupam para apresentar seus argumentos aos magistrados sobre algumas das causas mais frequentes de ações, tentando influenciar, com argumentos técnicos, a decisão jurídica.

Nem sempre a judicialização é imotivada, observando-se estritamente a Lei 9656. Há de fatos casos em que, não fosse a judicialização, o beneficiário de plano de saúde sairia prejudicado. Há casos em que o argumento técnico vence, como nos casos de tratamentos experimentais.

Com  todos os argumentos em favor da exaustividade da lista (Rol Taxativo), era de se imaginar que a cobertura era adequada também a esses casos, e que as ações seriam uma exarbação, certo? Afinal, uma das atribuições da agência era manter e atualizar, sempre que necessário a relação dos procedimentos cobertos pelas operadoras, sem suas diretrizes e parâmetros.

O que justifica, então, a Resolução Normativa 539, que regulamentou a cobertura obrigatória de "sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e outros transtornos globais do desenvolvimento"?.

Se a cobertura ali indicada era necessária, porque ainda não estava contemplada? Qual o motivo da coincidência entre a publicação da norma e a decisão do STF? Era realmente injusta a negativa de cobertura sobre os procedimentos ora encamados?

Como se não bastassem estranhezas, que tal o Comunica 95, emitido pela ANS em 23/06/2022?

... COMUNICA para todas as operadoras de planos de saúde que por determinação judicial ou por mera liberalidade, dentre outras hipóteses, já estiverem atendendo aos beneficiários portadores de transtorno do espectro autista e todos os beneficiários diagnosticados com CIDs que se referem aos Transtornos Globais do Desenvolvimento (CID-10 - F84) em determinada técnica/método/abordagem indicado pelo médico assistente, reconhecidos nacionalmente, tal como a ABA (Análise Aplicada do Comportamento), não poderão suspender o tratamento, sob pena de vir a configurar negativa de cobertura.