Há tempos a Saúde Suplementar enfrenta demandas judiciais sobre diversos assuntos: reajustes, negativas de autorização, procedimentos não cobertos, medicamentos idem… É uma das facetas do maior acesso do consumidor ao poder judiciário.
Considero o Código de Defesa do Consumidor um dos marcos regulatórios da Saúde Suplementar, junto à lei 9.656 e do Estatuto do Idoso. Isso devido às profundas implicações que todos tiveram no setor.
Mas no caso do Código de Defesa do Consumidor – CDC – uma curiosidade se destaca. O consumidor todos os meses recebe um boleto, que sabe ser da operadora de plano de saúde e o paga. Ou, no caso de planos empresariais, observa no seu demonstrativo salarial que um desconto foi feito em nome do “plano de saúde”.
Com regras que a ANS tratou de esclarecer, e esclarece cada vez mais, o consumidor vai à demanda judicial. Pede, e o juiz tende a protegê-lo, ele que é a parte hipossuficiente da história. Concretiza-se, dessa forma, a prestação de serviço pela operadora exigida pelo cidadão-consumidor.
Há regras definidíssimas: prazo de atendimento, itens com cobertura, registro de prestadores, metas contábeis, etc., e etc. E, com base nisso, vai a Saúde Suplementar correndo atrás do que, segundo a justiça, deve.
Não é a mesma coisa, entretanto, na saúde pública. Não há prazos máximos de atendimentos, nem sequer há contabilização de prestadores. Estes se sujeitam a débitos sem quitação e sem negociação. Não se exigem equipamentos, nem especialidades. Não importa se o contratante-governo está adimplente, ou mesmo se há a oferta do serviço.
O interessante, no caso da saúde pública, é que sua judicialização é incomparável à dos planos de saúde. A primeira diferença é que não se trata de consumidor, mas de contribuinte. O valor que se destina à saúde está diluído numa rubrica chamada de “imposto de renda” ou “Contribuição ao INSS”. Parece pouco, mas a diferença é que o pagamento ao “atendimento médico” não aparece de forma clara. Assim, o contribuinte paciente só recorre ao judiciário naqueles casos mais graves, como os de atendimento emergencial, cobertura de medicamentos, etc.
Ao contribuinte, devido à falta de regras claras (ao contrário), parece não haver direito. A espera de meses por uma consulta é aceita de forma resignada. A falta de médicos é incompreensivelmente tolerada como se fosse cultural esse desamparo.
O alegado aumento da classe C pela absorção de indivíduos das classes D e E teria causado o aumento de demanda. Seria esse aumento motivado justamente pelo vácuo da saúde pública?
De qualquer forma, o direito exigido pelos consumidores é devido, como o é também aquele do contribuinte. Certo?
Então porque vemos o ministro da saúde, em tom triunfal, anunciar, em nome da Agência Nacional de Saúde, punição a operadoras que não cumprem o que lhes é exigido, mas não o vemos sequer desculpar-se pela falta de leitos, de médicos, de remédios de que padece a rede pública?
Efeito Ricúpero: “o que é bom a gente fatura, o que ruim a gente esconde”.
No fundo, os problemas da saúde no Brasil são estruturais. Falta de hospitais, remédios a preços abusivos, médicos concentrados somente em regiões metropolitanas. Hospitais mal remunerados e excesso de utilização são comuns à saúde suplementar e à saúde pública.
Estamos vendo a Saúde Suplementar arcar com suas responsabilidades ou sucumbir às consequências. E a saúde pública?
Dia chegará em que a previsão legal, por ineficiente, aquela que trata da tal saúde universal, retirar-se-á, envergonhada, da Carta Magna, desiludida com a realidade. E a saúde será como as estradas: sem pedágio, não se sustenta.