A cada discussão que se inicia sobre qualidade na saúde suplementar, deparamos-nos com a falta de informações. E esse é um enorme entrave.
Na matriz das informações prestadas à ANS, estão vários indicadores, de ordem financeira, basicamente, e sobre os produtos adquiridos/desfrutados pela população. Mas a abrangência dos indicadores ainda é insuficiente para aferir o que de fato tem gerado as maiores reclamações da população assistida.
A questão da demora no atendimento, por exemplo, é uma das questões mais importantes na assistência médica atual, e não há indicadores da ANS, exceção feita aos índices de reclamação (ainda assim, genericamente), que sequer tangencie o problema. Para refletir a realidade do setor, é preciso que haja indicadores sobre a oferta efetiva de serviços à rede (quantificados), e não somente a existência da rede (que é um dos índices do IDSS, o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar). Deveria ser óbvio, já que o mesmo hospital, com cem leitos, por exemplo, oferece seus serviços de internação a várias operadoras, independente da demanda projetada.
O mesmo acontece com os profissionais médicos. Ter cem médicos que fazem oito consultas (cada) por dia não garante, à operadora oitocentas consultas diárias. E com cada um dos serviços cobertos.
Claro que os prestadores sempre farão o overbooking da saúde, pois os valores, segundo sua própria avaliação, estão defasados, e a demanda nem sempre atinge à ocupação desejada pelos prestadores.
Além da venda de serviços descasado com a capacidade de atendimento, há ainda o fator mais perverso da prestação de serviços: para operadoras de planos de saúde com uma tabela de pagamentos boa, a quantidade de atendimentos tende a ser maior. Para as que têm tabelas ruins, menos atendimentos. Em qualquer caso, sempre a preferência será para os atendimentos particulares. Diversos e diversos casos relatam que a dificuldade de agenda de profissionais e hospitais se esvai, magicamente, quando há proposta de pagar diretamente, sob tabela própria do prestador (o tal do particular).
Assim, diversos fatores concorrem para que esses problemas existem. Mas, se a ANS não identificar essa situação como problema, não terá condições de analisar seu nexo causal, impossibilitada, portanto, de propor soluções.
Tempo de atendimento (médico, neste caso), portanto, é um dos indicadores necessários, assim como a oferta mínima de serviços pela rede. Em ambos os casos, como nos casos de suficiência de rede, deve ser regionalizado, para que a análise se prenda também às abrangências dos planos da saúde.Como oferta de serviços, a especificação precisa estimar a demanda média da operadora (historicamente apurada) de um determinado procedimento, e o compromisso do prestador em atender a um determinado percentual dessa demanda. Vale a pena insistir: de nada vale ter um prestador de um determinado serviço que não tenha disponibilidade para atender a um mínimo de demanda.
Outra grande reclamação da população assistida é com relação à obrigatoriedade de buscar guias de autorização na operadora, medida sabidamente regulatória, pois pressupõe que só se desloca para ter esse incômodo quem realmente precisa. Muitas vezes cruel, a exigência não regras para ser executada. Algumas operadoras praticam sem critérios baseados em custos ou complexidade, mas simplesmente para criar a dificuldade. Outras, mais conscientes, o fazem com critérios, e são as maiores. Que tal, então, o tempo de emissão da guia configurar-se, também, num indicador de qualidade?
A discussão tem muitas bifurcações. As opções são várias, e dependem, obviamente, de ajustes na comunicação entre ANS, operadoras e prestadores. O que não pode acontecer é acreditar no poder miraculoso de ações isoladas. Para citar uma: a NIP, a Notificação de Investigação Preliminar. A recusa do atendimento pode ter várias causas, algumas relacionadas à recusa de fato, mas com base. É o exemplo da pessoa que realiza um procedimento (um exame, por exemplo) e num dado intervalo solicita outro do mesmo tipo. Se não for devidamente justificado, a operadora não deve mesmo autorizá-lo, sob pena de concorrer para o próprio insucesso (uma das premissas para as operadoras é que tenham equilíbrio financeiro. A realização de exames sem necessidade deve, portanto, ser evitada pela operadora, e a ANS deve considerar essa possibilidade na análise da questão. Aliás, não só a ANS como também os órgãos de defesa do consumidor,
Por outro lado, há mesmo as operadoras que postergam a autorização (e mesmo chegam a negá-la), em casos de flagrante abuso. As regras da NIP devem ser abertas o suficiente para identificar e permitir ação nestas de comportamento indevido, punindo quem merece.
No presente curso, a saúde suplementar deve se igualar rapidamente ao SUS, restando ao consumidor o atendimento como “particular”, o que faria, magicamente, aumentar a oferta de serviços. Quando isso acontecer, se deixarmos que aconteça, teremos dois modelos falidos, e o consumidor, como de praxe, pagando literalmente a conta.
Para as ações da ANS, vale o clichê: vamos com calma, pois tenho pressa. Planejar é essencial. Muito mais do ações (aparentemente) estanques entre si.