19 janeiro 2023

As prioridades da ANS - Portaria Nº 1 - DIDES


A Portaria nº 1 da Diretoria de Desenvolvimento Setorial da ANS (DIDES) cria Grupo de Trabalho para "para ampliar a discussão técnica sobre temas relacionados ao Desenvolvimento Setorial, com ênfase na relação existente entre operadoras de plano de saúde e prestadores de serviço de saúde no âmbito do Comitê de Padronização das Informações em Saúde Suplementar". É uma medida muito bem-vinda, pois há arestas a serem aparadas (sempre haverá) no relacionamento entre esses dois atores.

Ambos estão representados por associações e sindicatos, e se fazem ouvir na ANS tanto grupalmente como individualmente, como no caso de operadoras e hospitais/prestadores mais poderosos. Realizam eventos, dão voz aos dirigentes e apresentam sua pauta de reivindicações sem entraves. Como normalmente a dor de um é também a de muitos outros, normalmente essas pautas recebem muito apoio.

Mas é preciso lembrar que há um outro ator na Saúde Suplementar, que é, ou deveria ser, o centro do processo. Embora muitos lemas arroguem que o beneficiário/paciente está no centro, na verdade ele está à margem de discussões destinadas a entender suas dificuldades, menos ainda destinadas a resolvê-las.

O consumidor, parte hipossuficiente na esmagadora maioria das relações de consumo, ainda o é mais quando se trata de contrato de plano de saúde. Seu desligamento desse contrato lhe causa falta de cobertura, seu retorno lhe acarretará, quase que certamente, carência e/ou cobertura parcial temporária, exceto nos casos de planos coletivos empresariais (com 30 vidas ou mais).

Esse hiposuficiente ser não tem meios de se articular com outros de mesma condição e convidar ilustres representantes da agência reguladora para se fazer ouvir. Aliás, se quer ser ouvido, fala no megafone da justiça, situação abominada pelas operadoras e merecedor de vários artigos sobre tal judicialização. Mesmo que sua dor seja compartihada por muitas outras pessoas...

A judicialização se dá nos casos em que compreende-se injustiçado o beneficiário, e tantos casos há que é preciso se perguntar se existe de fato a falta de justiça ou se é somente um traço cultural brasileiro, esse de "procurar seus direitos"...

A analisar as manifestações de sites especializados em reclamações, conclui-se que a gritaria é muita. E envolve desde questões administrativas até questões de atendimento (ou falta de) e fornecimento de medicamentos.

Nesse sentido, a ação da ANS é receber a reclamação e atuar, invisível ao reclamente, para que a operadora conheça a insatisfação e se manifeste, seja por ação ou por omissão (as famosas (?) NIP). Quando a agência divulga os números dessas reclamações, o faz somente com números absolutos e estatísticas, sem deixar a conhecer os desfechos individuais dos casos.

No arquivo disponível em 19/01/2022 (Competência 10/2022) referente ao índice de reclamações, há pouco mais de 212.000 reclamações assistênciais e pouco mais de 49.000 reclamações não assistenciais, num total aproximado de 261.000 reclamações.

É necessário registrar que a reclamação na ANS é um processo não tão fácil quanto se esperaria. Quem já chegou ao final do processo garante que a resposta da agência, na maioria das vezes, é meramente protolocar, limitando-se ao registro do normativo ou cláusula legal em que o assunto se insere. Ou seja, o reclamante não sabe se tem razão ou não... Talvez daí o motivo de procurar um profissional especializado em contenciosos...

Empresas que lidam diretamente com clientes, pessoas ou empresas, já se conscientizaram de que é preciso ouvir e entender cada problema. Há até aquelas que criaram fóruns de discussão para dali extrair os indícios de que necessita para evoluir. Essas empresas entenderam que aumentar a satisfação do cliente é aumentar sua fidelidade.

Mas são duas situações diferentes. A empresa somente existe se der lucro, uma entidade pública simplesmente existe. Aumentar a satisfação, poderíamos considerar, não é papel da agência, mas do legislador, que elaborou o arcabouço legal em que apoiam os normativos exarados pela ANS e a quem deveria incumbir as alterações necessárias.

Se bem que... não seria exatamente a mesma situação com as aspirações de operadoras e rede credenciada? Pode a ANS legislar de forma diferente da previsão legal sobre um determinado assunto? Se não pode melhorar a vida do beneficiário, poderia fazê-lo para os demais atores?

Macunaíma diria: "Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são"...