21 fevereiro 2011

O financiamento da Saúde: causa e efeito

As recentes notícias sobre estudos em curso na ANS sobre abordagem de previdência privada para a saúde é uma boa notícia. Para aqueles que vêm o plano de saúde como item financeiro. E só!

Qualquer abordagem de qualidade (qualquer, mesmo) iria tentar descobrir as causas do agravamento dos custos. E, pelas causas, viriam as propostas de solução. Pois bem, aqui vão algumas causas:

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Envelhecimento da população: é fato que as pessoas estão vivendo mais. Como é fato que, com a idade, há maior consumo de serviços de assistência médica. As projeções para o Brasil, para 2050, são de crescimento drástico, o que causará um grande impacto nos custos da saúde, inviabilizando a saúde pública e a saúde suplementar se nada for feito. A distribuição pelas faixas etárias será esta, e por ela compreende-se o drama do aumento da longevidade para a saúde:

Pirâmide etária 1950-2050

 

Aumento da prevalência de doenças crônicas: segundo estudos realizados por órgãos de saúde, o fenômeno é mundial. Há cada vez mais doentes crônicos (em termos relativos e absolutos), e cada vez mais nas faixas etárias mais jovens. Anteriormente conhecidas como doenças da terceira idade, ou no mínimo de adultos, a hipertensão arterial e o diabetes, por exemplo, já grassam entre jovens e crianças. Óbvio o impacto que isso tem nos custos da assistência médica.

 

Ausência de políticas (e cultura) preventivas: o paradigma que impera é o assistencial. (Quase)Todas as atenções estão voltadas para o tratamento da doenças, e não para a prevenção. A ANS tem dado sinais de que deve haver foco na prevenção, mas a concretização de políticas desse tipo é bem lenta. Ademais, operadoras de planos de saúde estão às voltas com o aumento das despesas assistenciais (inflação médica, judicialização, etc), ao mesmo tempo em que se deparam (mas não enfrentam) problemas de ordem interna, o que aumenta as despesas administrativas. Em suma, não há espaço para manter a saúde, a não ser, timidamente, nas chamadas autogestões (planos próprios de saúde, autogeridos). A ausência de prevenção, em todos os seus níveis, faz com que haja incidência cada vez maior de doenças crônicas evitáveis ou gerenciáveis, e é inequívoco seu impacto nos custos da saúde.

 

Hábitos pessoais: estudos de diversas fontes mostram que os hábitos que influem diretamente na manutenção da saúde são poucos (alimentação saudável, atividade física e eliminação do tabaco), mas com o pdoer de evitar muitas das doenças crônicas, câncer inclusive. Apesar disso, a adesão a esses hábitos é baixa. E justamente esse componente cultural teria um impacto altamente positivo na diminuição dos custos da saúde.

 

Pois bem, o que se infere das informações acima é que é necessário cuidar da saúde, não somente tratar da doença. O custo financeiro da prevenção é baixíssimo, sem falar do custo emocional que as doenças trazem. Apesar disso, prefere-se discutir formas de financiamento dos tratamentos de saúde, em vez de financiar medidas preventivas. Campanhas de esclarecimento, acesso a facilitadores, financiamento de monitoramento de doentes crônicos e pessoas com risco de desenvolver doenças (motivados pelos hábitos, comportamentos, meio). Ou mesmo a investigação de doenças nas populações de maior risco (pela idade e sexo, e localização geográfica, por exemplo), o que proporcionaria a descoberta precoce de doenças e aumentaria as chances de cura.

A discussão é necessária: precisamos estabelecer formas de financiar os tratamentos contra doenças. mas precisamos, urgentemente, financiar medidas preventivas. Saúde em primeiro lugar.

03 fevereiro 2011

Os prazos de atendimento na saúde suplementar e a rede credenciada

Quando uma Operadora de Planos de Saúde (OPS) credencia um hospital, leva em consideração suas instalações e sua capacidade de atendimento (quantidade de leitos, por exemplo). O total de hospitais credenciados por uma OPS nos permite inferir sua capacidade de atendimento aos seus beneficiários. Certo?

Errado.

O hospital, com seus mesmos leitos, se credencia perante outras OPS, normalmente sem compromisso de atendimento. Ou seja, se tiver leito, atende á internação, se não tiver, não atende. Lembrou-se do SUS? É isso mesmo.

O mesmo se dá com médicos. O melhor exemplo é o das cooperativas, no Brasil predominantemente as UNIMED, em que os médicos são os “donos” do negócio, mas nem essa condição garante celeridade ao atendimento (consultas, no caso).

O fato é que o cálculo de suficiência de rede (Consulta Pública 26 da ANS, que não se concretizou em norma) se baseia na quantidade de profissionais, sem levar em conta o real compromisso com a OPS. Ou seja, se a OPS tiver um hospital, com características ali definidas, pode-se considerá-lo com rede suficiente para o atendimento. A conclusão é falsa, como mostra a realidade presente da demora nos atendimentos da saúde suplementar, e talvez uma justificativa para que aquela consulta pública não se tornasse norma.

Na discussão sobre a demora no atendimento, a ANS radicalizou (acertadamente, ao meu ver): estabeleceu os critérios de prazos máximos de atendimento, e que a OPS enfrente o problema dos seus beneficiários se não quiser enfrentar sanções da ANS e órgãos de defesa do consumidor.

A medida vai obrigar criatividade na prestação dos serviços. As métricas para cálculo de capacidade de atendimento (real) serão criadas pelas operadoras mais focadas, serão copiadas pelas menores, serão aperfeiçoadas pelo benchmarking do mercado. Inicialmente, pode-se esperar que médicos nas especialidades previstas na Consulta Pública nº 37 (cujo prazo se inicia hoje, 03/02), no seu artigo 3.I (pediatria, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, cardiologia e ortopedia e traumatologia) sejam contratados diretamente pela operadora, iniciando processo de verticalização característico do sucesso da Amil.

Também se pode esperar reclamações dos beneficiários que terão percepção (acertadamente ou não) de consultas mais rápidas, não necessariamente mais assertivas. Também se pode esperar reclamações sobre solicitações de exames, já que os médicos, a serviços da operadoras, poderão ter orientações sobre o assunto.

Sobre isso, é preciso destacar:

  • mais célere que o atendimento atual é difícil, mesmo quando o médico estiver a soldo direto da operadora. Os médicos independentes atendem a muitos convênios, e quanto mais consultas, maior seu pagamento. Assim, percepção do beneficiário pode ser falsa;
  • Sobre exames, há um consenso ne mio médico de que o paciente não gosta de médico que não solicite um exame (laboratorial ou imagem), mesmo que ele tenha sido feito um rigoroso exame clínico. O paciente tende a reclamar dessa falta do médico, que pede o exame para não ser reprovado nesse quesito. O exame força uma volta do beneficiário, muitas vezes no prazo de retorno (não paga, portanto, na maioria dos casos) e esse retorno (numa consulta de minutos) aumenta a fila de novas consultas. O exame, portanto, não necessariamente é essencial. Mas os beneficiários os exigem, num gol contra seu próprio atendimento. Claro que há casos em que é necessário. Mas tornar regra sua execução é daqueles cacoetes culturais que não se justificam.

Será uma evolução indubitável. Já reflitamos sobre a próxima.

01 fevereiro 2011

A Consulta Pública nº 37 – Garantia de Atendimento aos Beneficiários

A ANS, em 28/01, noticiou sobre a Consulta Pública 37m que trata dos prazos de atendimento dos beneficiários, e propõe regras também para os casos de localidades não atendidas por serviços/especialidades.  A medida é mais do que esperada, e reflete uma ação direta sobre o grande problema da saúde suplementar: a da demora no atendimento.

Os prazos são factíveis sob o ponto de vista do consumidor. Já do ponto de vista das operadoras de planos de saúde (OPS), não são tanto. Serão necessárias algumas ações para que a ação tenha o mínimo de condições de avaliação.

Em primeiro lugar, devemos pressupor que há controle, por parte da operadora, sobre a demanda e sua data inicial. Por exemplo, se um beneficiário quer se consultar com um cardiologista, a operadora deve saber disso. Certo? Não. A operadora normalmente não sabe disso. O livro de credenciados (ou o nome que se queira dar à essa relação de médicos, laboratórios, hospitais, etc) serve justamente para que o beneficiário, à vista de sua necessidade imediata, procure o profissional que mais lhe apraz, marque sua consulta e vá ao atendimento. Nisso não há ação da operadora, senão nos casos de rede própria, ainda assim por questões mais de elegibilidade que de controle de prazos. Como se pretende, então, que a OPS administre esses prazos? Há que se criar rotinas de intermediação, baseadas, logicamente, em ferramentas tecnológicas, o que demandará tempo.

Ademais, a proposta não garante o médico, mas a especialidade. Ou seja, o beneficiário pode ir ao cardiologista que a operadora lhe indicar, não necessariamente naquele que o está acompanhando. Para os tratamentos em andamento, a espera continuará sendo a regra.

O grande impacto que se pode esperar é a verticalização, senão de direito, ao menos de fato, com OPS comprando unidades hospitalares, contratando profissionais diretamente e oferecendo ao menos minimamente os serviços elencados na consulta pública. O que não é todo mal, mas é mais um ponto de ameaça ao já famoso problema de gestão da área.

A Consulta Pública deve resultar em regras mais claras para o setor, com reflexos positivos no atendimento aos beneficiários. Os prazos estão, como já disse, compatíveis com uma meta realista, e a ANS, sempre acusada de estar refém do setor, está mostrando que há ação.

Mas é preciso que se discuta se a contínua atenção dada à doença é mesmo o que se espera da saúde no Brasil. Por enquanto, a ANS faz o que pode. Não tenho procuração para defender a agência, nem tenho qualquer outro interesse, mas repito o que sempre digo: é, de longe, a agência reguladora mais atuante do Brasil.

 

Este blog esteve abandonado por excesso de atividades, e volta agora a todo vapor em 2011. Nosso foco, como não poderia deixar de ser, será a prevenção. Muita saúde, e pouca saúva, é a meta.