07 março 2013

A obrigatoriedade de formalizar a negativa de atendimento–RN N° 319

Apesar do Código de Defesa do Consumidor já ser mais um adolescente, ainda há muito que avançar na proteção daquele com adquire produtos e serviços. Recentes ações de agência reguladoras e/ou órgãos públicos só comprovam esse fato.
A RN 319 da ANS (Agência Nacional de Saúde) se propõe a produzir documentação que possa embasar reclamação do consumidor perante negativas de cobertura por parte da operadora de planos de serviço (OPS) contratada. E e´, sem dúvida, um avanço. Do ponto de vista do respeito ao consumidor, bem entendido.
Mas devemos ficar atentos para eventuais distorções. As autorizações normalmente acontecem de três formar distintas:
  • Decisão imediata: o sistema de gestão, por critérios de elegibilidade, já decide sobre o procedimento solicitado, autorizando-o ou negando-o. É baseado, na maioria das vezes, na cobertura, sexo, prestador eleito (por sua contratação: especialidade e procedimentos), adimplência, etc. Esse julgamento é praticamente on-line, embora a resposta possa não sê-lo, para não ferir suscetibilidades;
  • Decisão administrativa: quanto o procedimento, por parâmetros internos da operadora, necessitar de decisão administrativa para autorização. Normalmente é em função de detalhes contratuais, e pode mesmo envolver opinião da pessoa jurídica contratante;
  • Decisão técnica: o procedimento necessita de análise técnica (médica) mais aprofundada, o que por vezes gera troca de informações entre o médico auditor e assistente.
Claro que numa variação, as análises administrativas poderão socorrer-se em análises técnicas e vice-versa para tomada de decisões. Mas ambos os tipos são análises que demandam tempo e muitas vezes negociações. Portanto, não são on-line, necessitam no mínimo de algumas horas para que a análise gere decisões.
Pois bem, é esse tempo que pode vir a ser problema. Pois as regras de regulação, que vêm a ser os procedimentos utilizados pelas OPS para embasar suas decisões dependem unicamente (a priori) de seu  arbítrio. A norma exige que essas regras sejam claras e publicadas, mas não impedem sua adoção.
Não será difícil ver o beneficiário, na demora para definição de sua autorização, acionar os canais definidos na nova RN para reclamar aquilo que considera seus direitos. E a OPS analisando…
Qual é o prazo máximo que pode ser observado para ser emitida a negativa? Quanto tempo deve esperar o beneficiário até saber que o pedido foi negado? São questões que poderão se transformar em problemas, à falta de definições complementares.
Art. 2º Quando houver qualquer negativa de autorização de procedimentos solicitados pelo médico
ou cirurgião dentista, credenciado ou não, a operadora de planos privados de assistência à saúde
deverá informar ao beneficiário detalhadamente, em linguagem clara e adequada, e no prazo
máximo de 48 (quarenta e oito) horas contados da negativa, o motivo da negativa de autorização do
procedimento, indicando a cláusula contratual ou o dispositivo legal que a justifique.

A relação operadora/médico

Entre profissionais médicos, reclama-se da interferência das operadoras. Entre operadoras, a reclamação é a de que médicos insuflam os ânimos dos beneficiários contra as medidas regulatórios (o que gera  mais judicialização). O que não existem entretanto, é ação conciliatória dos extremos da situação.
O médico solicita o procedimento (ou insumo vinculado ao procedimento) que acha mais adequado. A operadora inicia um diálogo (ou deveria), para se aprofundar no caso e, com base no seu entendimento, nega ou autoriza a realização. O problema aqui é “com base no seu entendimento”. À falta de protocolos definidos, há uma conversa unilateral de ambos os lados. Ou o entendimento é da operadora, ou é do profissional médico.
O SUS resolveu essa questão há muito tempo. Sem diálogo. Paga o que julga certo, e o prestador assume o prejuízo. Não há judicialização para a saúde pública nos mesmo níveis da saúde suplementar.
A solução é chamar para a mesa de negociação as entidades representativas. De um lado, UNIDAS, Fenasaúde, Unimed do Brasil, ABRANGE, etc. De outro lado, Conselhos de especialidades e o próprio CFM. Os casos que passarem pelo crivo dessas especialidades podem ser objeto de estabelecimento de protocolos, o que somente viria a contribuir para a discussão. Casos não enquadráveis seriam, obviamente, objeto de decisões à parte. Mas a grande maioria dos casos seria resolvida somente por essa sistematização de abordagem.
As entidades de classe teriam representantes em comissões de análise instaladas inclusive nas instância judiciárias. É de se resgatar o ótimo procedimento do STF que reuniu, há alguns anos, profissionais de diversas áreas para orientar seu entendimento do que seria “vida”. E por que não fazer o mesmo no caso da saúde?
Interesses à parte, os profissionais avaliariam os processos sem saber detalhes de seus atores: médico e beneficiários envolvidos. Somente dados necessários à tomada de decisão.

Ajustes

Assim, para evitar problemas, vejo necessidade de ajustes no processo:
  • Definir prazos máximos para análise de pedidos sujeitos à regulação;
  • Estabelecer câmaras especializadas para análise de casos em litígio;
  • Anexar especialistas de OPS e entidades médicas às diversas instâncias do poder judiciário, para auxiliar tecnicamente os operadores do direito;
  • Estabelecer diretrizes mais abrangentes para estabelecer análise sistemática de casos normais.
  • Com esse tipo de cenário, sempre me lembro da beneficiária de uma autogestão que procurou a direção da entidade para estranhar que um médico, procurado por uma dor no pé, tivesse solicitado uma tomografia da cabeça. Se a priori não é impossível, comum também não é. Manda a prudência analisar com cuidado.